Tiago Tormes Souza

CARTAS AO IMPERADOR DO JAPÃO: DE PRESIDENTE FILLMORE E COMODORO PERRY

O Imperialismo na Ásia: os Estados Unidos e sua expansão ao Pacífico
Ao fim da Guerra do Ópio, o Império Chinês perdeu sua posição dominante no extremo oriente, as potências ocidentais começaram a buscar novas colônias e expandir seu território no continente asiático.

Os Estados Unidos nesse período já poderiam ser considerados uma potência industrial, tinha expandido seu território com a guerra contra o México. A aquisição da Califórnia e seu “gold rush” deslocaram o interesse econômico e fiscal para o Oeste, que nesse momento recebia um grande número de migrantes e imigrantes.

Para acompanhar o ritmo expansionista das potências europeias, os Estados Unidos começam a explorar novas possibilidades de colonização no pacífico e firmar acordos comerciais com a China e outras nações asiáticas, como o Japão.

As primeiras incursões além mar dos Estados Unidos foram realizadas no governo de Millard Fillmore, que mesmo sendo um presidente pouco lembrado, sua grande ação foi a Expedição Perry ao Japão em 1853, no final de seu governo.

Totalizaram duas viagens ao total da expedição, sendo a primeira com o objetivo de enviar uma carta do presidente Fillmore para o Imperador do Japão, para solicitar a abertura dos portos japoneses para o comércio norte-americano.

A segunda, ocorrida em 1854, tinha o objetivo de assinar o próprio Tratado de Kanagawa, ou de Aliança, Comércio e Amizade, que previa a abertura de diversos portos japoneses e ainda o livre trânsito de cidadãos americanos nas ilhas japonesas.

No decorrer do trabalho analisarei as cartas do presidente Fillmore e a postura de Perry nas negociações com o bakufu Tokugawa, além das críticas presentes no diário de Williams.

As cartas do Presidente Millard Fillmore ao Imperador do Japão
As cartas do Presidente Millard Fillmore ao Imperador do Japão são fontes de um valor inestimável, pois foram os primeiros contatos diplomáticos efetivos do Ocidente (excluindo os holandeses) com o Japão.

Trarei a seguir trechos das cartas como fonte primária para analisar os primeiros acordos comerciais do Ocidente industrial e o Japão.

“CARÍSSIMO e Bom Amigo: eu lhe envio esta carta pública pelo Comodoro Matthew C. Perry, um oficial de altíssima patente na marinha dos Estados Unidos, e comandante do esquadrão que agora está visitando seus domínios imperiais. Eu orientei o Comodoro Perry a garantir a sua imperial majestade que eu tenho os mais sinceros sentimentos em relação a sua pessoa e ao seu governo, e que eu não tenho outro objetivo em enviá-lo ao Japão além de propor a sua imperial majestade que os Estados Unidos e o Japão vivam amigavelmente e mantenham relações comerciais um com o outro.” [PERRY, 1856, p.256]

A carta enviada pelo presidente dos EUA mostra claramente a falta de conhecimento do Ocidente sobre o Japão no século XIX. A carta é direcionada especificamente a figura do Imperador, não ao Xogum ou qualquer outro oficial que tenha um papel administrativo de fato, deixando claro de início o objetivo dessa expedição ao território japonês, estabelecer a amizade e o comércio. Não deixando clara alguma posição de desigualdade ou superioridade entre as duas nações.

“A constituição e as leis dos Estados Unidos proíbem qualquer interferência em relação aos interesses religiosos ou políticos de outras nações. Eu, particularmente,  encarreguei Comodoro Perry a se abster de qualquer ato que pudesse perturbar a tranquilidade dos domínios de sua majestade imperial.” [PERRY, 1856, p.256]

Temos a garantia de Fillmore de que nenhum atitude forçada partirá do Comodoro Perry sobre a soberania do Imperador no Japão, salientando a inexistência de uma possível atitude semelhante à ocorrida na China e logo em seguida garante a defesa de suas leis e governo tradicionais do Japão.

“Nós sabemos que as leis antigas de sua majestade imperial não permitem o comércio com estrangeiros, exceto com os chineses e holandeses; mas enquanto o mundo muda e novos governos são formados, parece sábio, de tempos em tempos, criar novas leis.” [PERRY, 1856, p.256]

Fillmore justifica que as mudanças rápidas que estão ocorrendo no mundo irão “engolir” o Japão, a política de isolamento da ilha não seria mais possível com o mundo se tornando menor e buscando novos mercados, as leis tradicionais como se encontravam acabariam por impedir qualquer tipo de soberania da Corte Imperial.

“Quase na mesma época America, que as vezes é chamada de Novo mundo, foi primeiramente descoberta e estabelecida por europeus. Por um longo tempo havia poucas pessoas lá e elas eram pobres. Agora eles se tornaram muitos; seu comércio é vasto; e eles pensam que se sua majestade imperial decidir mudar as leis ancestrais e permitir o livre comércio entre os dois países isso seria extremamente benéfico para ambos. Se a sua majestade imperial não estiver certo se anular as leis ancestrais que proíbem o comércio exterior seria seguro, elas podem ser apenas suspensas por cinco ou dez anos, para que se faça uma experiência. Se ela não se mostrar tão benéfica quanto o esperado, será possível restaurar as leis ancestrais. Os Estados Unidos muitas vezes limita seus tratados com estados estrangeiros a alguns anos e depois os renova ou não, como bem entenderem.” [PERRY, 1856, p.256]

A História dos EUA com sua colonização, foi utilizada como uma tentativa de demonstrar ao Imperador como houve uma forma de evolução do sistema econômico e no momento da escrita do documento, um desenvolvimento da indústria. Justificando assim a obsolescência do governo e leis tradicionais. O Progresso seria o ideal a ser alcançado, o mundo não teria mais espaço para governos tradicionais e isolacionistas como o Japão.

A carta do presidente Fillmore toca em muitos pontos a questão econômica em que os Estados Unidos se encontram em 1853, tentando assim mostram como o progresso poderia ser benéfico para as duas nações.

“O nosso grande estado da Califórnia produz mais ou menos seis milhões de dólares em ouro todos os anos, sem contar a prata, o mercúrio, as pedras preciosas, e muitos outros artigos valiosos. O Japão também é um país rico e fértil, e produz muitos artigos valiosos. Os subordinados de sua majestade imperial são muito habilidosos em muitas artes. Eu desejo que nossos dois países possam comercializar, para o benefício tanto do Japão quanto dos Estados Unidos.” [PERRY, 1856, p.256]

Durante o “Gold Rush” na Califórnia, houve um desenvolvimento industrial e de extração de metais muito acentuados. Seja a ferrovia ou o transporte aquaviário serviram como alternativas para abastecer a costa leste dos Estados Unidos.

A proximidade e o desenvolvimento da Califórnia foram utilizados pelo presidente Fillmore para tentar de alguma forma convencer o Imperador do Japão a aceitar o acordo econômico, pois, com um Estado tão rico e relativamente próximo às terras imperiais, seria muito vantajoso para o comércio exterior do Japão e também dos Estados Unidos.

“O Comodoro Perry foi também orientado por mim a apresentar à sua imperial majestade que nós acreditamos que há uma abundância de  carvão e provisões no Império do Japão. Nossos navios vapor, ao cruzar o grande oceano, queimam uma grande quantidade de carvão, e isso não pratico traçar todo todo o caminho desde a América. Nós gostaríamos que nossos barcos a vapor e outras embarcações  sejam permitidos a atracar no Japão e reabastecer carvão, provisões e água. Eles pagarão por isso em dinheiro, ou de qualquer outro modo que sua majestade imperial preferir, e solicitamos que sua majestade imperial indique um porto conveniente, na parte sul do império, onde nossas embarcações devam atracar com esse propósito. Nós estamos muito desejosos disso. Esses são os motivos pelos quais envio o Comodoro Perry, com um poderoso esquadrão, para a renomada cidade de Edo, de sua majestade: amizade, comércio, uma suprimento de carvão e provisões, e proteção para nossa tripulação.” [PERRY, 1856, p.256]

Por fim, é realizada a verdadeira proposta dos americanos. A abertura dos portos e o suprimento de carvão para seus navios. Mesmo que de forma modesta, a abertura de um único porto colocaria um fim à política isolacionista, de forma lenta, mas ocorreria com a pressão econômica. Não satisfeito com as exigências do Presidente, o Comodoro Perry iria buscar uma alternativa mais ríspida para a questão da abertura japonesa.

Kurofune: A Diplomacia da Canhoneira do Comodoro Perry
Ignorando as garantias do presidente Fillmore, Perry lança de uma nova abordagem para lidar com os japoneses, a força. Aqui iremos analisar um pouco de sua diplomacia com os japoneses que levariam a assinatura dos Tratados de Kanagawa.

“Para sua Majestade Imperial, o Imperador do Japão, O signatário, comandante e chefe de todas as forças navais dos Estados Unidos da América atracadas nos mares do Leste da Índia, China e Japão, envia através do governo de seu país, em missão amigável, com amplos poderes para negociar com o governo de Japão, abordando certas questões que foram totalmente estabelecidas na carta do Presidente dos Estados Unidos [...]” [PERRY, 1856, p.258]

“O signatário foi ordenado a explicar aos japoneses que os Estados Unidos não é relacionado nenhum governo na Europa e que suas leis não interferem na religião de seus próprios cidadãos, muito menos na de outras nações. Que eles habitam um grande país que fica diretamente entre o Japão e a Europa e que foi descoberto pelas nações da européias, aproximadamente, na mesma época em que o Japão foi visitado pela primeira vez por europeus; ; que a porção do continente americano mais próxima da Europa foi primeiramente colonizada por emigrantes dessa parte do mundo; que sua população se espalhou rapidamente pelo país até chegar às margens do Oceano Pacífico; que agora temos grandes cidades, das quais, com a ajuda de navios a vapor, podemos chegar ao Japão em dezoito ou vinte dias; que o nosso comércio com toda esta região do globo está aumentando rapidamente, e os mares do Japão logo serão cobertos com nossos navios.” [PERRY, 1856, p.258]

Assim como na carta enviada pelo presidente Fillmore, Perry novamente cita a questão da colonização americana e de como suas cidades e país se expandiram. Mas diferente da carta de Fillmore, esta carta traz um sinal de ameaça. Que com a industrialização, representado pelos navios a vapor, e o comércio tornou o mundo menor e que seria impossível para o Japão deter essa realidade.

“Portanto, enquanto os Estados Unidos e o Japão estão se tornando a cada dia mais e mais próximos, O Presidente deseja viver em paz e amizade com sua majestade imperial, mas nenhuma amizade pode existir por muito tempo, a menos que o Japão deixe de agir como se os americanos fossem seus inimigos. Por mais sábia que essa política possa ter sido originalmente, é imprudente e impraticável agora que o intercâmbio entre os dois países é muito mais fácil e rápido do que antes.” [PERRY, 1856, p.258]

Como no excerto anterior, em apenas vinte dias os navios-norte americanos chegariam ao Japão, com forte poder de fogo e resistência a qualquer possível projétil que o bakufu poderia utilizar para defesa.

Sem a cooperação do Japão seria impossível manter a paz que o presidente dos Estados Unidos gostaria, seria necessária uma atitude do governo imperial para estabelecer um acordo e impedir que a força da Marinha dos Estados Unidos recaia sobre o Japão.

“O signatário sustenta todos esses argumentos na esperança de que o governo japonês veja a necessidade de evitar uma colisão hostil entre as duas nações, respondendo favoravelmente às propostas de amizade, que agora são feitas com toda a sinceridade. Muitos dos grandes navios de guerra destinados a visitar o Japão ainda não chegaram a esses mares, embora, por hora, sejam esperados; e o signatário, como evidência de suas intenções amigáveis, trouxe apenas quatro dos menores navios de guerra, planejando, se necessário, retornar a Edo na primavera seguinte com uma força muito maior. Mas espera-se que o governo de sua majestade imperial torne desnecessário tal retorno, aceitando de uma só vez as aberturas muito razoáveis e pacíficas contidas na carta do Presidente, e que serão explicadas mais adiante pelo signatário na primeira ocasião apropriada. Com o mais profundo respeito por sua majestade imperial, e tendo uma sincera esperança de que você possa viver por muito tempo para desfrutar de saúde e felicidade, o signatário assina.” [PERRY, 1856, p.258]

Perry encerra a carta com a ameaça de que traria navios de guerra mais poderosos se fosse necessário. Uma ameaça clara a própria tradição e soberania do Japão.

A crítica sobre as atitudes de Perry ao Japão feitas por Samuel Wells Williams
Samuel Wells Williams foi o tradutor da expedição, sua função era fazer a tradução de Perry e dos oficiais do bakufu. Neste subcapítulo vamos abordar a desaprovação de Williams sobre as ações diplomáticas do Comodoro.

“[...]ele diz que não é de modo algum tudo o que a mentira quer, nem todo o Presidente pretendeu, e "não satisfará seus pontos de vista". A carta do ano passado pedia um porto; agora Perry quer cinco. Ele desejava que os japoneses dessem garantias de bom tratamento; agora Perry exige que eles façam um tratado, e ameaça-os diretamente com uma ‘força maior e termos e instruções mais rigorosos’, se eles não aceitarem...” [WILLIAMS, 1910, p.129]

Williams escreve então sobre as demandas de Perry e como exigem muito mais do Japão que o próprio presidente, além de realizar ameaças.

“Os japoneses podem estar dispostos a aceitar, mas talvez não aceitem. No entanto, uma inconsistência é exibida, e que conclusão eles podem extrair dela, exceto que nós viemos em uma excursão predatória?” [WILLIAMS, 1910, p.129]

Nesse momento William demonstra seu desapontamento com a expedição, por quase 10 anos ele estava na China e acreditava que todo o progresso que o Ocidente havia adquirido pela industrialização seria de fato um grande avanço para a humanidade e que de alguma forma traria a felicidade para o mundo.

A própria carta do presidente Fillmore propunha amizade e o direito de escolha para o Imperador decidir. Perry passa por cima dessa decisão, como demonstrado em sua carta, para ameaças e cobranças para o Império do Japão e qualquer forma de desacordo acarretaria em um ataque de seus navios de guerra.

 “Eu mal sei em que posição colocar um documento como este, mas a apreciação de seu autor não é duvidosa. Perry não se preocupa mais com o que é direito, com o que é consistente, com seu país, do que com o avanço de seu próprio engrandecimento e fama, e faz de sua ambição a validação de toda a sua conduta para com os japoneses.” [WILLIAMS, 1910, p.129]

Aqui temos uma crítica a própria personalidade de Perry. Williams realmente parece transtornado com as atitudes tomadas pelo comodoro que para ele são de origem pessoal e não de dever com a nação. Mas seu discurso de um lugar religioso ou apenas de um servidor do Estado ? Pois as atitudes de Perry são um pecado e também uma traição de seu dever como um oficial da Marinha dos Estados Unidos.

“No entanto, se quiserem, seja por medo, por política ou por inclinação para aprender e ver mais de seus semelhantes, abrir seus portos e, pelo menos uma vez, acabar com sua política de isolamento, resultará em um grande bem para eles, seu povo será beneficiado, e até mesmo a estabilidade estado talvez aumente.” [WILLIAMS, 1910, p.129]

Mesmo assim não importando a razão para a abertura do Japão, Williams acredita que o fim da política de isolamento talvez seja benéfica ao Japão e seu povo. Talvez “estabilidade” seja uma lembrança do que aconteceu à China durante a Guerra do Ópio e com sua experiência de 10 anos vivendo na China, um desastre como aquele não recaia sobre o Japão da mesma forma: “No entanto, eu desprezo documentos como este, elaborados neste dia, e que podem derrotar seu próprio objetivo; tal documento certamente diminuiu a opinião que eu tinha de seu autor.” [WILLIAMS, 1910, p.129]

Encerrando, Williams demonstra seu total desprezo à carta do comodoro Perry ao Imperador do Japão, que por fim passa a ter uma visão negativa de seu superior pois deturpou a proposta da própria expedição, levar o progresso e a felicidade para o Japão.

Conclusão
Podemos concluir que mesmo a Expedição Perry tendo aberto o Bakufu Tokugawa para o mundo industrial, as ações de Perry podem ter sido moralmente questionáveis.

Ignorando os desejos do presidente Millard Fillmore, Perry usou de sua posição e poder como uma forma de promoção de sua imagem, criticada por Williams, seu subordinado que acreditava que a “diplomacia de canhoneira” era de extrema violência desnecessária.

Independente de suas ações terem desobedecido a um superior, o presidente, Perry tornou-se lembrado pelas suas capacidades militares e diplomáticas, como seu biógrafo escreve: “Se Matthew Perry falasse de seu túmulo, sua voz protestaria contra a opressão por tratado e em favor do tratamento justo do Japão, no espírito do tratado feito e assinado por ele;”[GRIFFS, 1887, p.251]

Referências
Tiago Tormes Souza é graduando em História/Licenciatura pela FURG.
Email: tormes.tiago@gmail.com

WILLIANS, S. Wells. A Journal of the Perry Expedition to Japan (1853-1854). Yokohama: Kelly and Walsh. 1910
PERRY, M.P, LILLY, L e JONES, G: Narrative of the expedition of an American squadron to the China Seas and Japan : performed in the years 1852, 1853, and 1854, under the command of Commodore M.C. Perry, United States Navy, by order of the Government of the United States. Washington: Beverly Tucker. 1856
GRIFFS, William Elliot.  MATTHEW  CALBRAITH  PERRY: A Typical AMERICAN  NAVAL  OFFICER, Boston: CUPPLES AND HURD, 1887



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