Vitória Duarte Wingert e Jander Fernandes Martins

A MENINA E A MOSCA: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO CHINÊS E RELAÇÃO HUMANO-ANIMAL

O presente trabalho versa sobre uma interface entre antropologia da relação humano-animal, jornalismo e imaginário acerca do oriental. Para isso, parte-se dos postulados sociológicos de Homi Bhabha (1998) sobre “estereótipo” e, como a partir desses estigmas, se construiu uma “invenção do oriente” (SAID, 2007), sobretudo, a questão da mulher oriental. Assim, busca-se uma reflexão, tomando como objeto de análise a obra literária “As boas mulheres da china” (2007) da escritora e jornalista chinesa Xinram (ver foto abaixo). Em especial, o capítulo dois, intitulado “A menina que tinha uma mosca como animal de estimação”.

A partir dessa obra, propõe-se um atravessamento dialógico e reflexivo entre esse capítulo e os estudos atuais realizados na Antropologia da Relação Humano-Animal, visto que se trata de um campo de estudo etnográfico recente e que nos últimos anos têm se tornado um terreno profícuo para pesquisas de âmbito social.

Um pouco de Xinran
“Xinran” é o pseudônimo utilizado e assinado em suas obras, hoje radicada em Londres onde é colunista do jornal The Guardian. Essa jornalista e escritora chinesa publicou o livro em “As boas mulheres da China” em 2003. O conteúdo da obra é o registro acumulado pela jornalista entre 1989 e 1997 a partir de um programa de rádio estatal (Palavras na brisa noturna), em Nanquim, na qual recebia cartaz de ouvintes mulheres. (XINRAN, 2007)

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Xinran. Acessado em: 28/08/18

De acordo com a descrição da própria autora na obra, esse material documentado não apenas representa a atual “condição da mulher chinesa na atualidade”, mas sim uma tentativa de “denunciar” as vicissitudes, o papel e o lugar da mulher chinesa. (XINRAN, 2007) Que por sinal, muito se destoa do “imaginário ocidental acerca do oriente”, como muito bem problematizou essa questão Edward Said (2007) e dos “estereótipos” (BHABHA, 1998) produzidos e instituídos na sociedade ocidental apresenta com relação a mulheres da cultura oriental.

A questão do estereótipo
O estereótipo nesse trabalho é central. Assim, recorreu-se a Homi Bhabha (1998). Indiano que leciona na Inglaterra e nos Estados Unidos onde desenvolveu sua “noção de hibridismo” nos seus trabalhos sobre o “discurso colonial”.

Nesse sentido, Bhabha (1998), atento a questão de como se dá a construção ideológica da alteridade, em um discurso colonial, propõe o “conceito de fixidez” que, segundo ele é um dos aspectos centrais na construção deste “discurso”. Ora, e não seria justamente isso que em outros termos Edward Said (2007) assevera com relação a “invenção do oriente pelo ocidente”?

Para esses autores, é justamente no discurso colonial (quer dizer, Ocidental) que se objetiva o estereótipo. Para isso, a repetição de conjunturas históricas e discursivas mutantes, acabam por fortalecer a marginalização de determinados grupos. O que por sua vez, reforça os estereótipos e a discriminação que embasam as práticas políticas e discursivas da hierarquização racial, cultural e, mais especificamente, na questão de gênero sexual.

De acordo com Bhabha (1998), é no estereótipo que o “discurso sobre o colonizado e sobre o colonizador embasam-se. Esse modo de representação, para o autor indiano, funciona como um fetiche. Isso porque, seja fetiche, seja estereótipo, dão acesso a uma identidade baseada tanto no prazer, pelas diferenças/exótico, quanto pela dominação, na ansiedade e na defesa, pois se trata de uma crença múltipla e contraditória em seu reconhecimento/recusa a diferença. O fetiche é ambivalente, pois é o conflito entre prazer/desprazer, dominação/defesa, conhecimento/recusa. O estereótipo é uma metáfora grotesca, uma duplicação, não condizente com a realidade.  O fetiche é um jogo simultâneo e híbrido entre a plenitude e a ansiedade gerada pela ausência. O fetiche representa, discursivamente, a relação conflitante entre a metáfora, enquanto substituição, facilitando a ausência e a diferença e a metonímia, enquanto percepção ou acusação de uma lacuna de falta.

Não obstante, para Said (2007) e, principalmente para Bhabha (1998), o estereótipo é um problema para a representação do sujeito devido a “função da recusa a diferença”. Ora, de acordo com esses autores o estereótipo é uma metáfora grotesca, uma duplicação, não condizente com a realidade. É também uma simplificação, pois é uma forma presa e fixa. Ao “negar o outro no jogo de representação”, isto se constitui um “problema de significações” de relações psíquicas e sociais. Também é uma “forma de representação” que “rejeita a alteridade”, negando a diferença no processo de construção da identidade, anulando, também o hibridismo, pois pressupõe que as identidades são puras. Diante disso, emerge indagações, dentre as quais, a mais importante é a referida à noção ocidental que temos com relação à representação feminina chinesa (e, por conseguinte, de família, de parentesco e de relação humano-animal).

Uma nova configuração familiar e de parentesco?
Ainda centrados na relação humano-animal em uma perspectiva antropológica acerca do oriente (MARTINS; WINGERT, 2018a, nesse mesmo evento), debruçamo-nos sobre a relação animais de estimação e animais de companhia que, em cenário atual, acabam por tornar cães e gatos como “novos membros familiares” (OSÓRIO, 2016a).

Nas duas primeiras décadas do séc. XXI uma forma de estrutura familiar se configura, qual seja: família interespécies. Explicamo-nos, levando em consideração estudos antropológicos recentes (DESCOLA, 1998; 2015; INGOLD, 1994; LEACH, 2000; PASTORI; MATOS, 2015; KULICK, 2009; LEWGOY; SEGATA, 2017) apontam que essa “nova configuração estrutural familiar” envolvendo humanos e animais.

Os animais cada vez mais têm ganhado espaço, sentido e significado simbólicos e materiais dentro das unidades familiares. No caso do ocidente, e do Brasil em particular, cães e gatos tornam-se novos membros familiares. Inclusive há cartórios que registram legalmente animais com o sobrenome de seus “pais/mães”. Essa nova configuração familiar interespécies, mobiliza-nos a refletir sobre as relações de parentesco (LEVI-STRAUSS, 1980; 2012). Etnografias mostram que “animais de estimação e de companhia” tem sofrido um duplo processo: de “desanimalização e humanização”, ao mesmo tempo.(OSÓRIO, 2011b; 2016a)

Esse processo tem resultado em um fenômeno no qual animais tem assumido o lugar de “filhos” nas famílias. Essas novas “famílias interespécies” são compostas por humanos de um lado, e animais de outro. Essa mudança de estruturasé fruto da superação das ideias centradas na “tese da exceção humana”, do “antropocentrismo” que preconizam ser o homem o único ser dotado de linguagem, cultural, símbolo, pensamento e sentimento. (LEWGOY; SEGATA, 2017)

Nesse sentido, esses animais acabam sendo descritos como “filhos, bebês”. Entendidasob a égide do “Totemismo” (LEVI-STRAUSS, 1975), isto é, relação simbólica entre humanos e animais, sob parentesco e comestibilidade. Toma-se os animais por parentes. Ou seja, aqueles que não comemos ou não queremos comer. Logo, “animais de estimação”, enquanto membros familiares, são descritos como uma categoria ambígua entre humano e animal, ou seja, cães e gatos, por exemplo, transitam entre ambos. (LEACH, 1983) Daí na cultura ocidental, não se comer gatos e nem cachorros já que eles são tidos como extensão da humanidade. Porém, na questão oriental, também assim o é? Sabe-se que, cães e gatos fazem parte da alimentação chinesa, o que basta para se compreender que essa cultura em específico, destoa drasticamente da vida ocidental. Porém, como toda organização social, há uma relação humano-animal, seja ela simbólica ou prático-utilitarista.

Mosca: um animal de estimação para uma vida comovente!
A história narrada por Xinran, intitulada “a menina que tinha uma mosca como animal de estimação”, compõe o capítulo 2 de sua obra composta de quatorze histórias. Na verdade, essa história é a primeira, visto que no capítulo 1 a autora narra o contexto no qual essas mesmas histórias “chegaram até ela”. Esta, em especial, Xinran a obteve, nas palavras delas: “uma tarde, ao voltar para o escritório, encontrei sobre minha mesa um pacote e um bilhete do porteiro” (XINRAN, 2007, p. 19).

Ao abrir o pacote, deparou-se com uma “velha caixa de sapatos” e com ela, o desenho de uma “mosca com aparência humana”. Dentro da caixa havia uma “espécie de diário” e com ele uma carta solicitando que a jornalista “leia cada palavra”. Nesta, havia o carimbo de “24 de agosto de 1975” (IDEM).  Portanto, trata-se de uma história ocorrida há mais de três décadas.

Nesse diário há registros e cartas de correspondência entre uma menina de dezessete anos (Hongxue) e Yulong, que embora não seja mencionada a idade, parece ser uma mulher na época com mais de vinte anos.Xinran, inicia essa compilação a partir de uma correspondência entre ambas. Onde Yulong questiona Hongxue sobre quais motivos levaram ela, primeiro a “odiar e não querer ver mais seu pai” e segundo, “por quê ela desenhou, na sua última carta uma mosca?”. É sobretudo, na carta de reposta de Hongxue que a autora do livro se detém. A história é chocante e aterrorizante, pois versa sobre “violência sexual, psicológica e moral” de um pai para com uma menina de doze anos. de modo que Hongxue adoece gravemente e vai parar em um hospital (XINRAN, 2007, pp. 20-24). Na carta (datada de23 de agosto de 1975) consta o seguinte:

“Por que foi que desenhei uma mosca e por que foi que a fiz tão bonita? Porque anseio por uma mãe e um pai de verdade; uma família de verdade, onde eu possa ser uma criança e chorar nos braços dos meus pais [...] Uma mosquinha me mostrou um dia o toque de mãos carinhosas’.” (XINRAN, 2007, p. 24)

Assim começa o diário de Hongxue.“21 de abril – chuva leve”: “Resolvi que vou ter um filhote de mosca como animal de estimação” (XINRAN, 2007, p. 27) Esse trecho, remete-se a E.Leach (1983) já havia discutido a questão da relação humano-animal e as categorizações nas quais animais, simbolicamente, são utilizados para xingamento. A mosca, em inúmeras culturas são categorizadas como um “animal impuro”, dado que se alimenta de putrefação, lixo, sujeira. É nesse sentido, que o registro de Hongxue ganha relevância. Ora, até onde se sabe, não são poucos as situações em que, seres humanos se demonstram apreciadores de “insetos”. Por exemplo, de “borboletas, libélulas ejoaninhas”. Contrariamente, “escorpião (pela questão da peçonha), gafanhoto (considerado praga, por tradição bíblica e por cultivadores de plantações). Assim,o animal tratado como insulto é histórica e cultural. Hongxue, em seu diário corrobora o exposto acima: “era uma mosca! Que horror! Moscas soa cheias de germes e sujeira de esgoto!” (XINRAN, 2007, p. 28)

Essa foi a primeira impressão de Hongxue com relação a esse animal. Fruto do “cimento social” na qual está inserida, isto é, imaginário social.(MAFFESOLI, 2001)O relato segue: “mas eu não sabia que as patas de uma mosca podem ter um toque tão suave e leve, ainda que sejam sujas [...] esperei vários dias por aquelas ‘mãozinhas’ [...]” (XINRAN, 2007, p. 28). O conflito entre imaginário social e cultural e a realidade concreta da interação vivida com o inseto, apresentam-se dialéticos. Uma sensação entre “nojo” e “leveza”.

A questão dos animais e uso em ciência (HARAWAY, 2011; KHOLER, 2015) é uma discussão que vem se acirrando. Essa questão não é de agora, ao menos na China como se verifica: “Hoje de manhã, [...] de repente lembrei da visita que fiz ao laboratório no hospital e dos animaizinhos que os médicos criam para fazer experimentos”. (XINRAN, 2007, p. 28).

Ela segue: “8 de maio – ensolarado”, em novo registro a menina chinesa registra: “dois dias atrás eu finalmente apanhei um filhote de mosca [...] o enfermeiro Zhang me perguntou o que era que eu tinha pegado. Respondi a primeira coisa que me veio à cabeça, que era uma borboleta” (IDEM, pp. 28-29). Mais uma vez, percebe-se a relação humano-animal pautada na questão de impureza, perigo e insulto. Como solução, recorre a borboleta, inseto que, mais apreciado e tolerado.

Logo após Hongxue descreve sua percepção sobre o inseto, que Tim Ingold (2000) chama de “filhotização”. Nas palavras da menina:

“[...] estava preocupada com o meu filhote de mosca. É muito mais difícil criar um filhote de mosca do que um gatinho. Todo mundo gosta de gatinhos, por isso quando se tem um gatinho muita gente ajuda. Mas ninguém gosta de moscas. Fico preocupada que alguém possa matá-la, ou que ela fuja”. (XINRAN, 2007, p. 29)

Hongxue, continua:

“[...] meu filhote de mosca parece muito melhor agora. Está crescendo bem devagar [...] mas não tem importância, porque não gosto mesmo daquelas moscas grandes de cabeça verde. O filhote está sempre pousando em mim. As vezes faz cocegas, e adoro a sensação suave na minha pele. Também gosto quando brinca nas minhas bochechas, mas não deixo que me beije”.(XINRAN, 2007, p. 30)

Nesse trecho, fica evidenciado aquilo que Russel Belk (1996) chamou de “relações metafóricas com pets”. Em outras palavras, para esse autor a “humanização do animal” é um pré-requisito essencial para que o humano estabeleça um processo de “transformação” do animal em um ente da família. Também reforça a ambivalência, entre o sentimento pelo inseto e a tradição cultural desse animal como sujo e impuro.

A isso, junta-se o contato humano-animal permeado de afeto e carinho. Ora, esse carinho, evidentemente, é uma interpretação que parte de um estímulo sensorial. O que ocorre aqui, é aquilo que Osório (2016) menciona ocorrer entre humanos e outros animais, a saber: há uma “humanização do animal” ao mesmo tempo que se imprime um processo de “desanimalização” do mesmo.

Hongxue assim escreve em seu diário:

“pus a mosca na casa dela, [...] fiquei vendo ela enquanto ela comia açúcar, com a lupa [...] a mosca parece um velhinho - é tão peluda! [...] não quero vê-la assim feia. A olho nu é mais bonitinha [...] as pernas são tão finas que me fazem pensar nas pernas de uma bailarina [...] meu filhote [...]mexe as patas da frente o tempo todo, para frente e para trás, esfregando uma na outra, como as pessoas fazem quando lavam as mãos”. (XINRAN, 2007, p. 31)

Evidencia-se todo um processo de “antropomorfização” do inseto. Logicamente que se trata de uma comparação metafórica, na qual a menina descreve esse inseto que, culturalmente é descrito como impuro, indesejado, imundo, acaba por   estabelecida entre inseto e humano, realizado pela Hongxue. Essa humanização de um inseto impuro é o mesmo fenômeno, filosoficamente, “manifestado” por Donna Haraway (2003; 2008) entre humanos e cães, animais cultural e historicamente domesticados há muito tempo.

Com relação à mosca, Hongxue encerra seu relato com a “morte do animal” e o “funeral realizado” para o inseto que é guardado na geladeira. O restante de seu registro diz respeito a outras situações vividas por ela enquanto se encontrava internada no hospital. Trata-se de uma história chinesa comovente, aterradora, angustiante, chocante e reveladora de outras questões para além da relação humano-animal que caberia outras discussões. A carta é encerrada pela autora Xinran com uma data de óbito, a qual a autora atribui à Hongxue.

Considerações Finais
O presente trabalho buscou realizar um atravessamento entre Antropologia da relação humano-animal, jornalismo e imaginário acerca do oriental. Para isso, valeu-se de estudos dessas áreas distintas, tomando como objeto de análise a obra produzida por Xinram (jornalista chinesa, hoje radicada em Londres), na qual após anos acumulando cartas de ouvintes chinesas, acabou por traze-las a público. Com sua obra o ocidente chocou-se com as denuncias acerca do papel, da representação e da exposição que a mulher chinesa sofre. São relatos de mulheres que variam de 1970 até a década de 1990.

Partindo de premissas postuladas por Homi Bhaba (1998) sobre a questão do estereotipo e de que, muito do que imagina-se acerca do Oriente, na verdade é uma construção, uma invenção ocidental (SAID, 2007) nos valemos de um dos relatos contidos em “As boas mulheres da China” como exemplo concreto de que, muito do que se pensa, imagina e deduz acerca da cultura oriental, de fato acaba sendo de uma natureza estereotipada e inventada, não condizente com a realidade concreta vivida pelos diferentes sujeitos inseridos naquele contexto.

Sendo assim, nos parece que, se no Ocidente as relações familiares e de parentesco acabam, por via do afeto e do cuidado, rompendo as fronteiras interespécie, geralmente descrita entre humanos e cães e gatos.  No Oriente (e quem sabe no Ocidente também ocorra) algumas relações também se estendem para além do humano-humano. E no caso, acima relatado, deu-se entre um humano e um inseto, uma mosca. Inseto esse que, partindo de uma metáfora em Leach (1983) e Douglas (s/d), no Ocidente cultural, conota e representa o sujo, o impuro.

Ora, se vê com essa interface aqui proposta que, a relação humano-animal se instaurou afetivamente, em função de que, uma menina após anos de abuso por parte de seu pai (relação de parentesco e família). Assim, dada a narrativa acima exposta, diferentemente, do que se consome em cinema, mídias, propagandas, etc. a mulher chinesa sofre vicissitudes que, no Ocidente pouco se tem notícias. Como asseveraSaid (2007, p. 29), “[...] em suma, o Orientalismo como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente”. Ou seja, “o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, um imaginário e um vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente” (SAID, 2007, p. 31).

Assim, cabe indagar, a partir de Said (2007) e Bhabha (1998), essas mulheres chinesas, quem são? Àquelas que animes, filmes e literaturas fantásticas apresentam e são narradas ao Ocidente ou essas mulheres que anos-a-fora foram submetidas a exploração, abuso e alienação de familiares, parentes denunciadas por Xinran?

Assim, como em meados da década de 1980, dilemas acerca das fundações ditas universais sobre as formas universais de família foram abaladas com os movimentos homoafetivos. E nas décadas seguintes emergiu nova configuração familiar interespécies, majoritariamente, no Ocidente. Buscou-se aqui, demonstrar apart ir de uma obra publicada no Ocidente, mas descrita e coletada na China, que, muito antes disso, sob condições “desumanas” (não humanas, porém não animais), uma menina estabeleceu vínculos afetivos com uma mosca, tomando-a como seu único membro familiar de modo que sua relação de parentesco com ela, emerge como um exemplo que rompeu as fronteiras de espécismo.

Estudos que busquem atravessamentos temáticos merecem olhares acadêmicos, visto que se demonstram campo profícuo para problematizar e compreender situações e fenômenos sociais vividos na realidade concreta, seja humano-humano, seja humano-animal. Parece-nos que com a questão Oriental o mesmo se faz convidativamente necessário.

Referências
Vitória Duarte Wingert é Mestranda do PPG Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE), Especialista em Ensino de Filosofia para Ensino Médio (UFSM), Especialista em Literatura Infanto-Juvenil (FISIG), Especialista em Mídias na Educação (IFSUL), Licenciada em História (FEEVALE). E-mail: vitoriawingert@hotmail.com
Jander Fernandes Martins é Mestre em Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE), Especialista em TIC na Educação (FURG), Pedagogo (UFSM). E-mail: martinsjander@yahoo.com.br

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2 comentários:

  1. Olá, Vitória e Jander!

    Primeiramente parabéns pelo texto.
    Como trabalhar o livro “As Boas Mulheres da China” de um modo que não se propague a visão errônea de que a mulher chinesa, em todos os tempos históricos foram submetidas a exploração, abuso e alienação de familiares?


    Kamila Czepula.

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  2. Olá Kamila, obrigada por sua pergunta!
    Primeiramente, trabalha com a história das mulheres, é sempre um desafio. Uma vez que a historiografia das mulheres é muito recente e as fontes históricas são escassas. A história, de um modo geral, sempre foi a história do homem e escrita por homens. Desta forma, desconstruir certos estereótipos, sempre é um desafio, ainda mais se tratando da historiografia das mulheres orientais, onde o acesso a material é ainda mais difícil. Acredito é o livro As boas mulheres da China, do qual retiramos a história, A menina e a mosca, seja uma boa dica. É uma obra, onde temos as chinesas contando suas histórias. Não com a visão do ocidental, mas sim do ponto de vista dos valores e da sociedade da qual elas pertencem. No livro a histórias de abuso e opressão, mas também relatos de força e superação. Acho que a dicas principal é utilizar sempre fontes orientais e dar voz a estas mulheres!
    Vitória Duarte Wingert e Jander Fernandes MArtins

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