Janaina Cardoso de Mello

CULTURA, MEMÓRIA E IDENTIDADE NO JAPÃO PÓS II GUERRA MUNDIAL. 

A ideia desse breve ensaio é imergir na obra “The long defeat: cultural trauma, memory, and identity in Japan” de Akiko Hashimoto, publicada em 2015, e ainda sem tradução no Brasil, como instrumento de compreensão das interfaces entre cultura, memória e identidade no Japão derrotado ao final da II Guerra Mundial.

A metodologia de análise qualitativa toma como suporte uma biografia histórica que nasce a partir do trauma e os olhares sobre o Ocidente que o autor ainda adolescente percorre com sua família as geografias do Japão, Inglaterra e Alemanha.

“A reabilitação da biografia histórica integrou as aquisições da história social e cultural, oferecendo aos diferentes atores históricos uma importância diferenciada, distinta, individual. Mas não se tratava mais de fazer, simplesmente, a história dos grandes nomes, em formato hagiográfico – quase uma vida de santo –, sem problemas, nem máculas. Mas de examinar os atores (ou o ator) célebres ou não, como testemunhas, como reflexos, como reveladores de uma época. A biografia não era mais a de um indivíduo isolado, mas, a história de uma época vista através de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos” (Priore, 2009, p.9).

O livro, dividido em cinco capítulos, discute a cultura e a memória de uma nação em queda; a reparação de biografias e o alinhamento de memórias familiares; a reconsideração da defesa, abordando heróis, vítimas e perpetradores na mídia popular; a pedagogia da guerra e da paz através do ensino da II Guerra Mundial para crianças; e a recuperação moral das nações derrotadas a partir de um olhar global comparativo. Assim,

“A memória torna o passado significativo, o mantém vivo e o torna uma parte essencial da orientação cultural da vida presente. Essa orientação inclui uma perspectiva futura e uma direção que molde todas as atividades e sofrimentos humanos. A história é uma forma elaborada de memória, ela vai além dos limites de uma vida individual. Ela trama as peças do passado rememorado em uma unidade temporal aberta para o futuro, oferecendo às pessoas uma interpretação da mudança temporal. Elas precisam dessa interpretação para ajustar os movimentos temporais de suas próprias vidas” (Rüsen, 2009, p.164).

O percurso pelas memórias do autor se inicia na década de 1960, em Tóquio, reconstituindo as paisagens urbanas da movimentada estação de Shinjuku, com suas pequenas lojas e quiosques. No intercurso da nova linha de metrô com a linha suburbana homens de meia-idade amputados vestindo uniformes militares de algodão esfarrapado, com olhos de vidro e outras desfigurações, mantinham-se imóveis, largados ao chão ou faziam soar músicas melancólicas através de gaita ou acordeão. A miséria da guerra os colocara na posição de pedintes aos transeuntes. Eram o resultado dos ataques aéreos sofridos, das propriedades destruídas e dos parentes perdidos. As imagens e percepções da Guerra da Ásia-Pacífico tornaram-se um trauma nacional.

Ressalta Hashimoto (2015, p.2) que as memórias de experiências difíceis como guerra e derrota perduram por muitas razões na trajetória de uma nação que termina por mudar profundamente, e isso decorreu principalmente do momento em que o Japão renunciou à soberania em 1945. A partir desse ato político, a vida coletiva precisou ser regenerada sob o peso de uma queda nacional catastrófica. Desse modo, os perdedores enfrentaram a dificuldade de viver com um passado desacreditado e contaminado. Nesse processo,os vencidos mobilizaram narrativas novas e revisadas para explicar os fracassos nacionais, lamentar os mortos, redirecionar a culpa e se recuperar das cargas do estigma e da culpa. Sob esse aspecto, a tarefa de fazer um trabalho coerente de história para o vencido é, ao mesmo tempo, um projeto de reparação da espinha dorsal moral de uma sociedade quebrada. Este projeto precário se abriga no coração da cultura de derrota do Japão, uma dolorosa investigação sobre o significado de ser japonês. Por isso, entender este projeto é crucial para avaliar as escolhas do Japão - nacionalismo, pacifismo ou reconciliação -, as tensões nacionais e internacionais que enfrenta hoje.
Após a perda da soberania em 1945, o Japão foi ocupado durante sete anos pelos vencedores que exerceram uma alteração radical em sua governança e direito,economia e educação. O julgamento das culpas pelos crimes contra a paz e violação das convenções de guerra (entre 1946 e 1948) foi percebido como injusto e tendencioso por desconsiderar inúmeros partícipes das forças armadas,burocracia, governo, negócios e Império, fazendo cair o peso maior sobre a sociedade japonesa menos influente.

Subjacente às fissuras estão duas perguntas fundamentais: Por que lutamos uma guerra invencível? Porque eles mataram e morreram por uma causa perdida? As diversas narrativas que emergem desses debates abrangem preocupações não somente sobre a responsabilidade da guerra, mas também sobre o pertencimento nacional, as relações entre o indivíduo e o Estado, e as relações entre os vivos e os mortos (Hashimoto, 2015, p.2-3).

Entre o final do século XX e as primeiras décadas do século XXI, ainda persistem muitas questões voláteis, ainda não resolvidas como as disputas territoriais com China, Coréia e Rússia; o tratamento da culpa da guerra e dos criminosos de guerra em comemorações (“o problema de Yasukuni”); e as afirmações para compensação e pedido de desculpas por trabalhadores forçados em tempo de guerra, sexo forçado(“mulheres de conforto”),  e prisioneiros de guerra. As conflitantes memórias de um passado conturbado também alimentam no Japão controvérsias nacionais identificadas como “problema da consciência histórica”(rekishininshiki mondai).

A clivagem que separa diferentes memórias de guerra e a História perpassa as reivindicações se aprofundaram nos anos 1990 com muitas disputas: a determinação de uso de símbolos patrióticos (a bandeira nacional e hino); a adoção do patriotismo nas escolas; o tratamento das atrocidades do Japão (por exemplo,Massacre de Nanjing) nos livros didáticos e na cultura popular; e as reivindicações para compensação e cuidados de saúde pelas vítimas de ataques aéreos e dos bombardeios atômicos, além da crítica à remilitarização.

Dada essa complexidade, para Hashimoto não há uma “memória coletiva” no Japão; em vez disso, coexistem várias memórias de guerra e derrota com diferentes quadros morais simultâneos e em contínua competição pela legitimidade.Assim, os portadores da memória - intelectuais japoneses, educadores,políticos, advogados, comentaristas, críticos de mídia, ativistas e outros que recontam o passado –buscam atribuir significados diferentes à queda nacional,complicando a perspectiva de forjar uma meta-narrativa nacional unificada. Pois, para o autor (2015, p.6-7) existem três categorias de narrativas de trauma conflitantes disputando a superioridade moral dentro da complexa paisagem da cultura e memória no Japão. Elas são diferentes quer na ênfase dos fracassos humanos, quer como retratam o caráter moral de heróis, vítimas e perpetradores da guerra. Distinguem-se ainda na percepção das relações entre derrotados e ganhadores, bem como nas interpretações morais da derrota e nos cursos que traçam para a recuperação nacional. Hashimoto discorda, portanto, do olhar unívoco do pesquisador de literatura japonesa, Shuichi Kato que lida de outro modo com as memórias do Japão pós-II Guerra Mundial.

“‘Deixe a água levar o passado’, diz um provérbio japonês. Trata-se de uma recomendação: esqueça logo uma polêmica que ficou para trás, ou seja não fique remoendo um erro. Agir desta maneira em relação às atividades realizadas no presente é mais vantajoso para um indivíduo ou para um grupo. Por um lado, significa que nenhum deles necessita assumir responsabilidades pelas ações do passado. Isso depende, sem dúvida, das proporções assumidas pelo fato em questão, e em qualquer cultura há um limite para a cobrança de responsabilidades passadas. Não é apenas no Japão, por exemplo, que as penas criminais prescrevem. Porém especialmente na sociedade japonesa, pode-se dizer que é notável a tendência à idealização de algo para se viver o presente em paz sem a menor preocupação com o passado. Conforme a natureza da discórdia, é mais conveniente e prático ‘enterrar o passado’ e fazer as pazes que resolver uma disputa nos tribunais. Porém na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, como se apontou diversas vezes, enquanto a sociedade alemã não procurou enterrar os campos de concentração (Auschwitz), a sociedade japonesa, por sua vez, tentou fazê-lo com o Massacre de Nánjīng(1937). Como se sabe, a relação de confiança entre França e Alemanha foi ‘restabelecida’, mas o mesmo não ocorreu entre o povo japonês e o chinês” (Kato, 2012, p. 15).

Ao longo das histórias das guerras do Japão, diferentes padrões prevaleceram: o sistema pré-medieval de legitimação da guerra por autorização da corte imperial; o sistema feudal de legitimar guerra pela vitória; e, na modernidade, a adaptação ao sistema iniciado pelo Ocidente de regulamentar guerras por convenções internacionais e tratados (Hashimoto, 2015, p.7).

Uma das narrativas da Guerra da Ásia-Pacífico foi a da“Guerra Sagrada” justificada para que o imperador protegesse a “Grande Co-Prosperidade da Ásia Oriental”da agressão colonial euro-americana, branca.Depois de colapso nacional de 1945, muitos reagiram à inversão abrupta da moral da ordem que tornou a sua “guerra certa” em“guerra errada” ao reverterde volta a um relativismo moral realista (katebakangun, makerebazokugun).

Ainda uma primeira categoria de narrativas enfatiza as histórias de heróis nacionais. Essas narrativas abraçam um argumento de “queda feliz”,que justifica a guerra e sacrifícios nacionais em retrospectiva, alegando que a paz e prosperidade de hoje são construídas sobre esses sacrifícios do passado. Essas narrativas heroicas tendem a promover um discurso de endividamento que é ouvido frequentemente em discursos oficiais em comemorações.É uma narrativa de melhoria destinada a cultivar o orgulho em pertença nacional; ao mesmo tempo, desvia a atenção da culpabilidade do estado em começar e perder a guerra (Hashimoto, 2015, p.8).

Uma segunda narrativa promove empatia e identificação com as vítimas trágicas da derrota. Aqui prevalece uma visão de “catástrofe” - uma tragédia não mitigada de proporções épicas - acentuando a carnificina total e destruição causada pela violência militar feroz. O discurso do sofrimento e do antimilitarismo é encontrado frequentemente em histórias familiares;histórias de cultura popular; e no abraço pacifista das vítimas em Hiroshima, Nagasaki, e dezenas de outras cidades esmagadas pela bomba atômica e ataques aéreos indiscriminados. Esta narrativa também tende a desviar a atenção, neste caso do sofrimento de outros distantes queos japoneses vitimados na Ásia (Hashimoto, 2015, p.8).

O terceiro tipo de narrativa contrasta com os dois primeiros, enfatizando os Atos do imperialismo do Japão, invasão e exploração na China, Coréia e Sudeste Asiático. Esta é uma narrativa de uma“escura descida para o inferno”, salientando a violência e os danos que o Japão infligiu,com atribuição variada de intenção maliciosas. Mais difícil e controversa das três narrativas, essa visão e seu discurso de arrependimento, são geralmente encontrados no jornalismo investigativo, na mídia de notícias, nos documentários, em publicações acadêmicas e discussões intelectuais, bem como em algumas memórias de veteranos e histórias orais. Movimentos cívicos e organizações de amizade dedicadas à reconciliação na Ásia Oriental em grande parte pressupõem a aceitação dessa narrativa perpetradora (Hashimoto, 2015, p.8).

O problema das variadas representações da guerra surge a todo momento, nos discursos comemorativos, nos livros de história e nas exibições em museus. Pois, as centenas de museus regionais especializados na “paz”em toda a nação devem resolver este problema da história ao não contarem com uma história nacional abrangente da guerra; e em vez disso, as instituições apresentam histórias parciais do trauma cultural, enfatizando seletivamente os perpetradores,vítimas ou heróis. Assim, subverte-se a crítica ocidental recorrente de que o Japão deixa muito da história de guerra não examinada estaria apontando o dedo na direção errada, pois não se trataria de uma amnésia nacional, mas de um impasse em uma luta feroz e multivocal sobre o legado nacional e o significado de ser japonês (Hashimoto, 2015, p.9).

Nos anos de 1980 e 1990, uma cultura de memória global começou a se fortalecer em torno de direitos humanos emergentes e movimentos de justiça transicional que se concentrou em corrigir os erros do passado. Pressionado pelas vizinhas nações do leste asiático e a mídia internacional, o problema de longo prazo do Japão em relação ao passado tornou-se uma preocupação internacional em muitas frentes: desentendimentos sobre os livros didáticos de história autojustificativos, lutas por desculpas oficiais, ações de indenização movidas por antigos sujeitos coloniais e vítimas, comemorações polêmicas dos mortos de guerra e criminosos de guerra, disputas sobre exposições em museus, dentre outros (Hashimoto, 2015, p.17-18).

No início dos anos 2000, surgiu uma reação neonacionalista aos esforços para trazer a reconciliação para a Ásia Oriental. Foi uma resposta à globalização do “problema da história” que acompanhou a mudança do equilíbrio de poder político no leste da Ásia com a espetacular ascensão econômica da China.À medida que as ansiedades do Japão cresciam diante da desaceleração econômica, da recessão, do desemprego e do aumento das desigualdades,seus problemas na ordem internacional pós-Guerra Fria também ressoavam: a contínua dependência de segurança sobre o vencedor, o Estados Unidos; o fracasso em fazer parte da coalizão vitoriosa na Guerra do Golfo (1990); e a incapacidade de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU reservado para os vencedores da Segunda Guerra Mundial(2005). Reconhecendo o fantasma da derrota traumática no aprofundamento do pântano, alguns críticos japoneses chamaram de “a segunda derrota” ou “a terceira derrota”. As disputas nacionais e internacionais pioraram nos anos 2010, mais visivelmente nas reivindicações irreconciliáveis das ilhas fronteiriças, dos movimentos de ódio dos nacionalistas de ambos os lados do mar e das exigências de mais desculpas e compensações (Hashimoto, 2015, p.18).

Diante desse contexto, as respostas às evocações das memórias traumáticas da II Guerra Mundial dividiram-se em três afirmações: (1) a guerra foi ruim e deveria ter sido evitada; (2) a guerra foi ruim, mas não poderia ter sido evitada; e (3) a guerra era inevitável dadas as circunstâncias ameaçadoras da época.Para balizar quantitativamente essas distintas narrativas, o autor recorreu às pesquisas nacionais de 2006 dos veículos de imprensa como o jornal nacional Yomiuri, que revelou que 34%acreditava que a guerra da Ásia-Pacífico foi uma guerra de agressão, enquanto outros 34% concordaram que apenas a Guerra Japão-China, e não a Guerra do Pacífico, poderia ser qualificada como uma guerra de agressão. Cerca de 10% acreditava que nenhum dos dois conflitos foi uma guerra de agressão, enquanto 21% estavam indecisos. A fissura também foi evidente na pesquisa de 2006 do jornal Asahi afirmando que 31% dos respondentes pensava que o Japão travou uma guerra de agressão na China, enquanto menos da metade (45%) acreditava que foi tanto uma guerra de agressão quanto uma guerra de autodefesa. Essa diversidade de pontos de vista na cultura da derrota é mostrada vez e outra em pesquisas de opinião e pesquisas nacionais, e tende a manter um padrão estável através das gerações; não podendo ser explicado monocausalmente por geração, gênero ou filiação partidária.(Hashimoto, 2015, p.18-19).

As consequências dessa divisão, especialmente em uma “cultura de derrota”, são evidenciadas na baixa confiança na liderança política japonesa, quando a opinião pública é endemicamente negativa com apenas 23% dos japoneses expressando apoio à sua liderança política, deixando o Japão em 127ª colocação de 135 nações do mundo neste quesito.Ao mesmo tempo, em um estudo comparativo sobre “as atitudes positivas” em relação a si mesmos, os japoneses obtiveram as menores pontuações em autoestima entre 53 países. Essas tendências gerais derivam em alguma medida das memórias nacionais negativas de um passado difícil internalizado por aqueles que desejam reparar e se recuperar desse legado (Hashimoto, 2015, p.19).

Essas reflexões dos japoneses acerca de si mesmos tornam perceptível o impacto do trauma cultural da II Guerra sobre os comportamentos sociais ao longo do tempo, pois

“O trauma cultural ocorre quando os membros de uma coletividade sentem que foram submetidos a um evento horrendo que deixa marcas indeléveis em sua consciência de grupo, marcando suas memórias para sempre e mudando sua identidade futura de maneiras fundamentais e irrevogáveis” (Alexander et alii, 2004, p1).

Como afiançaram Paul Antze e Michael Lambek (2016, p. xvi), o passado e sua recuperação na memória contêm um curioso lugar em nossas identidades, que simultaneamente estabiliza essas identidades em continuidade ao mesmo tempo que ameaça perturbá-los. Isto posto que se o passado está em um sentido determinante de quem somos, fornece em outro sentido inversões do nosso estado atual.  No lado positivo, a memória oferece um certo escopo para o tipo de jogo ou liberdade que nos permite nos remodelar criativamente,lembrando uma coisa e não outra, mudando as histórias que dizem a nós mesmos (e aos outros) sobre nós mesmos.

Referências
Janaina Cardoso de Mello é Doutora em História (UFRJ) e Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS), do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória-UFS) e do Mestrado em História da Universidade Federal de Alagoas (PPGH-UFAL). E-mail: janainamello.ufs@gmail.com

ALEXANDER, J. et alii. Cultural Trauma and Collective Identity. Berkley, CA: University of California, 2004.
HASHIMOTO, A. The long defeat: cultural trauma, memory, and identity in Japan. UK: Oxford University Press, 2015.
KATO, S. O Tempo e o Espaço na Cultura Japonesa. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
PRIORE, M.D. Biografia: quando o indivíduo encontra a história. Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 7-16.
RÜSEN, J. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da historiografia,n. 02, março/2009, p.163-209.
ANTZE, P.eLAMBEK, M. Tense past: cultural essays in trauma and memory. New York: Routledge, 2016.

26 comentários:

  1. É interessante o aspecto pós II Guerra Mundial sobre memória coletiva e memória individual no Japão, uma vez que, ao desenhar a ideia de nacionalismo incorporado a uma nação que superou "traumas" temos em outro viés, a nacionalidade como um véu que entra em controvérsia com as próprias guerras travadas pelos Japão com os países vizinhos.
    Minha pergunta é, qual a memória coletiva do pós II Guerra Mundial defendida pelos japoneses?

    Lidiane Álvares Mendes
    Mestra em História Social/UFAM

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    1. Oi Lidiane, muito obrigada por sue leitura e sua questão. Então, o cerne do entendimento da memória coletiva do pós II Guerra Mundial no Japão está em compreender que não existe uma única memória e sim várias memórias conflitantes que permeiam a relação entre o legado nacional e o próprio significado de "ser japonês". Nesse sentido, as diferentes memórias abordam as culpas da guerra, as comemorações onde criminosos de guerra são exaltados pelo governo e o uso da exploração sexual feminina durante a guerra. Por um lado o governo tenta fazer um uso simbólico do patriotismo, a ocultação de massacres e a afirmação da sacralidade da guerra para a proteção da prosperidade asiática; de outro, o povo japonês reivindica do governo os cuidados de saúde com aqueles que foram atingidos pela guerra (ataques nucleares, soldados inválidos retornados), critica a remilitarização e afirma a ideia de que a guerra foi um erro, uma catástrofe, uma carnificina. Já os intelectuais e a imprensa trazem à tona as memórias dos atos do imperialismo, reivindicando desculpas do governo japonês aos outros povos atingidos pela guerra, ressaltando ainda a violência desmedida e os danos infligidos pelo Japão à sua população e de outras geografias. Como pode ver, há uma pluralidade de narrativas que constituem memórias coletivas impossíveis de serem unificadas, mesmo pela ação do Estado japonês. Lidar com essas memórias várias é o grande desafio para museus e escolas, no que diz respeito ao ensino de história de um passado complexo e traumático, de um presente ressentido e desconfiado, para um futuro de cobranças e não reconciliado.

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  2. Boa Noite Janaina, pós Segunda Guerra, com a chegada de imigrantes japoneses em vários países, houve-se uma mescla de culturas, quando estes imigrantes retornaram o Japão, gostaria de saber a sua opinião atual, onde o Japão está muito Ocidentalizado principalmente Americanizado, você acha que umas medidas tomada pelo governo japonês, como diminuir o uso da língua inglesa na televisão, assim como o uso da internet, que faz com que a jovem população japonesa não se interesse tanto para a cultura do próprio país, você acha que se limitar o contato com o Ocidente como a china faz no sentido cultural, fará com que a memória coletiva do Japão, retorne aos tempos antigos?
    Leonardo Irene Pereira Guarino

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    1. Olá, Leonardo. Muito grata por ter lido meu texto e ter deixado sua pergunta. O que vemos é que o Japão, para conseguir se reerguer no pós II Guerra Mundial precisou se abrir para o Ocidente, enviar seus pesquisadores para os Estados Unidos e Europa para estudarem, aprenderem e replicarem tecnologia, inovação e desenvolvimento econômico. Se por um lado isso fez a nação se fortalecer em sua capacidade de criação de bens e ativos valorizados pelo mercado internacional, por outro lado, cobrou seu preço na "ocidentalização" de parte da juventude, no distanciamento dos costumes tradicionais, numa crise identitária. Por mais que se tomem medidas de reversão desse quadro com cerceamentos, no século 21 parece-me impossível que consigam de fato serem bem sucedidos, uma vez que como internamente já coexistem distintas memórias conflituosas e não uma única memória, e a tradição não é algo que possa ser imposta, pois envolve auto referenciação, afetividade, valorização subjetiva. Se a juventude não se reconhece nas memórias que o governo tenta impor, se não se identifica, se não possui laços emocionais, há um fracasso na internalização psíquica e vivência cotidiana dessa cultura. Não há máquina do tempo para o passado, o que se pode fazer, é tentar encontrar um consenso entre as várias memórias e a partir daí ressignificar a própria noção de "ser japonês" entre as influências do Oriente e o Ocidente.

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  3. Oi Janaina. Parabéns pelo belo texto. No Brasil há relatos, dados os meios de comunicação existentes em nosso país, de negação da rendição/derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial por parte dos imigrantes japoneses que aqui estavam. Há relatos semelhantes no próprio Japão? Ou de revolta pela rendição do Estado japonês? Obrigado! Abraço!

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    1. Oi Maicon, agradeço sua leitura e a questão feita. Sim, com toda a certeza coexistem memórias de negação e de revolta relacionadas à participação do Japão na II Guerra. O país é, desde o pós-Guerra até o presente, um caldeirão de conflitos que permeiam narrativa e memória de distintos atores sociais (governo, povo, intelectuais e imprensa). Por mais que o governo tente celebrar uma "memória de heroísmo" com celebrações e ocultamento, outras vertentes da sociedade expõem o fracasso e a dor da guerra, contestam sua necessidade, a durabilidade da participação japonesa naquela, as vítimas e o papel dos perpetradores da guerra. A própria relação com outros espaços na Ásia, principalmente com a China, é muito contestada. Pressões por reparação, desculpas públicas, reconhecimento da derrota têm sido atos políticos constantes advindos dos segmentos da sociedade civil críticos aos governos japoneses. Não há uma univocidade, o que há são muitos antagonismos que perpassam diferentes visões numa eterna queda de braço. A busca de um consenso e mesmo de um perdão interno ainda é um grande desafio. Penso que justamente uma grande parte dos japoneses não se perdoaram e nem perdoaram seu governo pela participação naquela guerra. Por isso, há sobretudo uma ausência de paz interna que reflete nas pesquisas de baixa auto estima e no número de suicídios dadas as cobranças aos quais se impõem (a disciplina muitas vezes como reparação pessoal).

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  4. O texto eh muito bom: relata a saga de um povo que se construiu com união e trabalho, serve de modelo, exemplo para outras sociedades. O pós guerra serviu para unir mais está sociedade;a imigração japonesa para o Brasil e sua força de trabalho eh testemunho vivo; acredito que se deveria trabalhar mais conteúdos desta sociedade no ensino brasileiro, cinema?
    Maurilio de Oliveira

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    1. Maurilio, agradeço imenso sua leitura, elogio e pergunta. Então, precisamos sim trabalhar melhor as questões do Extremo Oriente no ensino brasileiro, isto posto que tivemos grandes levas migratórias para vários estados de nosso país. Os consulados japoneses ofertam materiais que poderiam ser utilizados como recurso didático ao professor, além da filmografia, dos Mangás, da literatura (há muita coisa em inglês, mas há boas traduções também). O problema é que perdemos muito tempo com discussões internas de poder entre as áreas de ensino e terminamos perdendo todos, como foi o que aconteceu com a imposição da BNCC pelo governo de #fora Temer. O ensino de história se enriquece com olhares mais profundos sobre essa realidade que não é tão distante assim, dadas as influências culturais que recebemos do Oriente (lojas, chá, práticas ancestrais, religiosidade) e isso também serve para desconstruir a visão da Ásia como uma coisa só. É necessário perceber as distinções, as singularidades, as identidades de cada povo que compõe aquele continente.

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  5. MARIA JOSILDA FERREIRA DA SILVA

    Janaina, parabéns por trazer esse recorte temporal da memória cultural e identitária do Japão no pós-guerra. De fato, a Segunda Guerra foi um evento de poder que afetou muito a soberania japonesa em 1945. Sendo assim, gostaria de saber como os membros da sociedade menos influente foram tratados pelos ocupantes vencedores em seu próprio país?

    Maria Josilda Ferreira da Silva

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    1. Oi Maria Josilda, muito obrigada pela sua leitura e questão. As consequências da guerra para população menos influente é justamente a memória da dor e do trauma, das perdas, dos trabalhos forçados sexuais que ocasionaram inúmeros filhos "sem pais". O governo no pós-guerra tentou amenizar isso através da construção de discursos de exaltação da guerra, dos sacrifícios necessários à proteção da nação, mas são memórias que não são absorvidas pela população que se divide entre a decepção e a culpa.

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  6. Bom Dia. O japão, ao meu ver é um exemplo para o mundo. Quanto cataclismos e momentos negros de dor e sofrimento, mas também quanta forca de recuperação, sobrevivência e capacidade de dar a volta por cima mesmo em meio as piores crises. Umja identidade propiá, unica, surpreendente.
    Diaciz Alves

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  7. Texto maravilhoso, parabéns. sabemos do preconceito que existe em relação ao estudo do oriente, principalmente dessas sociedades japonesa e chinesa, a que se deve tal fato?
    Diaciz Alves

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    1. Oi Diaciz, agradeço a leitura e as perguntas. Penso que não é apenas uma questão de preconceito, mas de desconhecimento de fontes e muitas vezes de acesso à leitura que exige na maior parte do tempo domínio de outros idiomas (inglês, japonês e chinês). Isso termina afastando muitos estudiosos dessa temática. Outro fator está em uma falsa noção de que há um distanciamento imenso entre nossas culturas e por isso não conseguiríamos abordar com propriedade os estudos do Oriente, da Ásia. Mas vários pesquisadores e esse seminário é um exemplo de que temos sim essa possibilidade e o caminho está aberto para isso.

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  8. Porque sera que a historia ocidental e bem mais valorizada do que a oriental? E como nos professores ou futuros professores poderemos mudar essa realidade?
    Diaciz Alves

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    1. Oi de novo Diaciz, penso que o uso dos textos desse seminário (em suas primeira e segunda edições) como ponto inicial para debater as questões da história do Oriente em sala de aula já seria um primeiro passo. O contato com a filmografia, mangás, games, desenhos animados e Consulados também pode oferecer bons suportes. O importante é não exigir somente do livro didático, mais sair dele, buscando alternativas interessantes.

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  9. Ao ler o artigo me deparei com dois questionamentos apresentados pelo autor que remetem a ideia de indagação da própria nação "Por que lutamos uma guerra invencível? Porque eles mataram e morreram por uma causa perdida?" Seriam realmente duas perguntas corretas a se fazer? Pois, seria incoerente lançar-se numa guerra ciente da derrota, até porque naquele momento o alinhamento do Japão era com países que apresentaram vitórias expressivas na Segunda Guerra Mundial?
    Sílvio Cesar Masquietto
    scmasquietto@hotmail.com

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    1. Olá Sílvio, valeu pela leitura e as perguntas. Então, essas questões aparecem logo no início do livro The long defeat: cultural trauma, memory, and identity in Japan” de Akiko Hashimoto que deu suporte ao meu texto. As memórias dele de criança à adolescente, dos parentes que viveram aquele momento, contrastadas com o tempo presente e a pesquisa do escritor trazem esses questionamentos que vão se desdobrando ao longo dos capítulos. Ele insere nessas perguntas a angústia da população japonesa no que diz respeito à sua própria construção identitária no pós-guerra. Entre a negação, a culpa, o trauma e como isso resulta nas pesquisas que revelam a baixa estima e o elevado número de suicídios. Tudo isso passando de geração em geração. Claro que a visão do governo é outra, tanto que há celebrações e datas para exaltar os "sacrifícios necessários" e heróis pátrios.

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  10. Outra dúvida que tive é sobre a expressão "reparação da biografia". O que seria? uma reescrita a partir de uma análise mais nacionalista ou uma correção acerca de produções anteriores?
    Sílvio Cesar Masquietto
    scmasquietto@hotmail.com

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  11. Olá Janaina, parabéns pelo texto. Talvez já tenham lhe feito esta pergunta, mas o que eu gostaria de saber é se existe uma história 'oficial' a respeito da participação nipônica na segunda guerra, e em caso positivo como esta é contada? Dentre todas as linhas de pensamento a respeito da participação japonesa nos vários territórios, qual a mais aceita?
    Novamente peço desculpas caso minha pergunta já tenha sido feita anteriormente.

    Crislli Vieira Alves Bezerra.

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  12. Olá, é bastante interessante que esta perspectiva dos japoneses não chega ao resto do mundo, muitos só conhecem a história pelo lado dos que venceram a guerra, não dos que foram devastados.
    Mas minha pergunta é, na verdade é uma coisa que não ficou muito clara pra mim, qual a real posição dos japoneses em relação as guerras do Pacífico e Japão-China? A opinião coletiva é de agressão ou autodefesa em ambas?

    Gabriela Cavalcante Vieira

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  14. Boa tarde Janaína. Parabéns belo belo ensaio. Só acho que deveria também ter ficado em uma outra versão além dessa chamada de oficial, será que realmente podemos falar de algo oficial, algo legítimo? Pois como sabemos a história são perspectivas diferentes e influenciadas por várias partes, e que existe meios de silenciar as reais partes fundamentais do contexto histórico.

    Erica de Araújo Lourenço Morais
    benjamimabnner1@gmail.com

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  15. Olá, Janaína. Obrigada pelas suas contribuições.
    Ao longo do texto você afirma que "Assim, subverte-se a crítica ocidental recorrente de que o Japão deixa muito da história de guerra não examinada estaria apontando o dedo na direção errada, pois não se trataria de uma amnésia nacional, mas de um impasse em uma luta feroz e multivocal sobre o legado nacional e o significado de ser japonês (Hashimoto, 2015, p.9)". Nesse contexto, o que você acha que essas memórias e a identidade cultural japonesa influenciaram nos imigrantes japoneses vindos para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial? Como isso reverbera nos dias atuais, no significado de ser nipo-brasileiro?
    Obrigada desde já,
    Vivian Iwamoto

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  16. Texto maravilhoso! Parabéns!

    Poderia nos apontar caminhos teóricos e metodológicos que possibilitem os estudos sobre o Oriente em sala de aula.

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  17. Carla Cristina Barbosa
    Prezada Janaina Cardoso de Mello
    Gostaria de saber, qual o embasamento teórico que você utilizou no seu texto para discutir a memória individual e coletiva?

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  18. Olá Janaína.
    Primeiramente parabéns pelo texto, e por prazer para discussão um livro ainda não traduzido em português, isso é muito importante pra saber quais são as novas discussões que estão sendo feitas sobre as memórias coletivas e individuais dos japobeses acerca da Segunda guerra mundial.
    Minha pergunta é: o autor em algum momento do livro fala sobre as reações ou percepções dos japoneses sobre a manutenção de Hirohito como imperador (mesmo que sem poder real, apenas como símbolo)?
    E se o autor trata sobre isso, como o faz?

    Obrigada.
    Jéssica Jenifer Wessoloski
    jessica.wessoloski@hotmail.com

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