Arthur D’Elia

EXPERIÊNCIA DE ANGÚSTIA EM SARTRE E A SAÍDA DO SÁBIO CHINÊS

Introdução
Este trabalho visa criar um diálogo intercultural e atemporal entre dois autores, um ocidental e um oriental chinês. São eles Sartre [1905-1980] e Laozi [séc. 6 AEC, também grafado como ‘Lao-Tsé’]. Em Sartre serão trabalhados os conceitos de angústia, e sua relação com a liberdade; com Laozi, haverá uma preocupação com o “nada” e a provação de sua ontologia, o ‘agir não agindo’ [Wuwei] e, acima de tudo, enxergar por meio da ótica do sábio, tal como pensara Laozi, a questão da angústia.

Nesse sentido, nosso trabalho se orienta pela perspectiva teórica de François Jullien [2010], que propõe a possibilidade de utilizarmos o pensamento chinês como uma forma de contraponto as elaborações da tradição Ocidental. Como ele mesmo afirmou,

“O benefício deste desvio pela China é duplo. Primeiramente, o de descobrir outros modos possíveis de coerência, que denominarei outras inteligibilidades; e, assim, sondar até onde pode ir o desenraizamento do pensamento. Mas este desvio implica também um retorno: a partir desse ponto de vista de exterioridade, trata-se de retornar aos pressupostos a partir dos quais a razão europeia se desenvolveu − pressupostos ocultos, não explicitados, que o pensamento europeu veicula como uma evidência, a tal ponto os assimilou, e sobre os quais prosperou. O objetivo é, portanto, retornar ao impensado do pensamento, tomando a razão europeia pelo avesso a partir desse ponto de vista de exterioridade. Ao mesmo tempo sair da contingência de seu espírito (passando pela prova de um outro quadro de pensamento); e explicitar o “nós” (não somente da ideologia, mas também das categorias de língua e de pensamento) que opera sempre implicitamente nesse “eu” que diz tão soberbamente: “eu penso”…” [Jullien, 2010, p.2]

O sábio chinês de Laozi significa para nós, portanto, uma dessas opções de desvio, de resposta alternativa ao problema elencado por Sartre. De fato, a temporalidade indicaria uma anacronismo nessa comparação [Laozi teria existido antes], mas nos propomos a ler o problema segundo nossa constatação – feita por Sartre – e em seguida, dar a outra visão possível de um sistema de pensamento altero a tradição Franco-Ocidental.

A angústia em Sartre  
Antes de mais nada, precisar-se-á reconhecer que a angústia só é possível com a consciência de liberdade (que é sua estrutura essencial), tal fato ocorre quando o ser tem de escolher entre possibilidades das quais uma delas, após a nadificação das outras, corresponderá ao seu existir; no momento em que escolhe, ele tem consciência de que é livre para escolher dentre as alternativas possíveis, pois existe um nada entre os motivos e o ato, o motivo em si é ineficaz por ser algo que aparece para consciência e cabe ao ser da consciência determinar seu ato com tal aparição ou não (Sartre, 2013).

A liberdade assume papel fundamental, pois sem ela a realidade teria um caráter determinista. Considerando que existência precede a essência, o ser não fica subjugado a uma possível "natureza humana" ou destino ou pré determinado por uma divindade; ele agora pode escolher livremente entre as várias possibilidades que contemplam o seu existir de acordo com o que aparece a ele (Sartre, 2013).

Por conseguinte, pode-se definir angústia como consciência de ser seu próprio fluir do existir à maneira de não sê-lo, ou seja, quando o sujeito reconhece o que aparece a ele como meras possibilidades; dentre as quais o mesmo terá de escolher, o que leva-o a perceber que é livre e tal liberdade angustia-o, pois tais possíveis que podem ser escolhidos são insuficientes. No entanto, a angústia pode ocorrer com relação a um fato futuro ou um fato passado (Sartre, 2013):


  • Angústia ante fato passado. Pode-se explicá-la disponibilizando um simples exemplo: Carlos decidiu parar de jogar basquete. Mas todas as vezes que se depara com uma quadra, percebe que nada o impede de jogar, a decisão tomada anteriormente é ineficaz, pois a chance de jogar novamente é uma possibilidade possível; a resolução escolhida no passado é ultrapassada, pois existe a possibilidade de Carlos ser tal resolução à maneira de não sê-la. A decisão tomada no passado está presente na consciência de Carlos, portanto, ele tem consciência de sê-la, mas ao ver a quadra, ele tem a possibilidade de ser à maneira de não ser esta escolha passada.
  • Angústia ante o futuro. Pode-se explicá-la também com um simples exemplo: Um estudante no instante em que realiza uma prova de matemática, depara-se com uma questão extremamente difícil; ao lado dele, está a aluna com a melhor nota de matemática da turma. O garoto tem a possibilidade de copiar a resposta e provavelmente acertar a questão ou não colar e tentar resolver a questão ou deixar em branco. O mesmo possui motivos para efetuar cada uma das três possibilidades. O que ele "é" no instante presente, necessita do que ele ainda não é para efetuar sua ação, ou seja, o que "não é", corresponde a cada "eu" dele próprio que aparece em cada um dos motivos e, por conseguinte, cada "eu" que ele não é lhe demonstra seu ato seguido do efeito; tal indecisão ocorre por conta da contra angústia com que ele se deparou, a contra angústia cessa a angústia ao encerrar a indecisão e fazê-lo tomar uma decisão definitiva. 


A contra angústia fará com que ele seja na medida de sê-lo, ou seja, escolhendo uma das possibilidades, o mesmo vê-se sendo o que vai ser. Neste exemplo, a angústia localiza-se antes da indecisão, de tal modo que ele "foi" as três possibilidades, se por um momento ele foi cada uma delas e cada uma é o que a outra não é, logo ele acabou sendo na medida de não sê-lo (Sartre, 2013).

Laozi e uma possível resposta à questão da angústia
Fazemos agora nossa ida e retorno até a China. A escolha em utilizar Laozi para tratar desta problemática parte do pressuposto de que situação na qual se desenvolve a angústia se encontra contemplada nos seus escritos. Laozi pensou a angústia – e uma resposta para tal – a partir da percepção de um estado de existir que, nos escritos chineses, é entendido como ‘vazio’.

Após uma breve exposição dos conceitos Sartreanos, é preciso compreender o caráter ontológico deste ‘nada’ ou ‘vazio’, de acordo com a filosofia taoísta desenvolvida pelo grande mestre chinês, para depois tratar desta questão. Segundo Laozi, no Daodejing [Livro da Virtude e do Caminho]:

O Tao produziu o um,
o um produziu o dois,
o dois, o três e o três, todas as coisas.
Todas as coisas deixam atrás de si a obscuridade de onde
procedem e avançam para abraçar o brilho em que imergem,
enquanto são harmonizadas pelo sopro do vazio.
Um sopro imaterial forma a harmonia.
O que os homens detestam é a solidão, a inatividade e o abandono. [Verso 1]
Trinta raios formam o cubo;
Da renúncia à sua personalidade
é feito o valor da roda.
Modela no barro um vaso
e da forma impessoal de sua cavidade
e da impersonalidade dos espaços vazios
Elimina as portas e janelas da parede
e da impersonalidade dos espaços vazios
é que surge o mérito da casa.
É através da existência das coisas, portanto, que nós tiramos proveito.
E pela sua insignificância que ficamos servidos. [Verso 11]
Nestas passagens, fica evidente que havia um Qi (matéria) disperso, e o vazio “deu forma”. Do equilíbrio nasce a forma. Esse vazio juntamente com a matéria formam o universo, é o uno e o verso; para correr, andar, até mesmo a menor partícula a qual conhecemos como átomo, precisa preencher algo, a matéria precisou preencher um espaço e esse espaço é o vazio ou o nada. Percebe-se, portanto, a presença desse nada no real, nada que é ausência de tudo, a questão é que esse nada não existe, ou seja, não tem ser, mas ele faz parte do real, tem status ontológico, ele sempre 'está'.

Por conseguinte, vale ressaltar que na escrita chinesa, principalmente a da época, havia a palavra ser, mas utilizada como um verbo auxiliar, não um conceito (como nos gregos) e, no entanto, o “estar” desempenhava uma função muito mais importante, até a nível conceitual.

Desse estado de ‘estar’ é que percebe-se a dimensão do ‘vazio’ como um norteador da existência. O ‘vazio’ não esvazia, mas sim, dá forma a existência. Dando forma, dá-lhe igualmente sentido, que é percebido, de modo análogo, pela função ou pelas propriedades. Assim, o ‘existir’ passa a ser um estado harmônico entre a propensão [vazio] e o estado presente das coisas [a existência manifesta na forma e no agir].

Situações em que ocorre angústia
Porém, torna-se necessário analisar as situações de angústia, começando pela que ocorre diante um fato passado Laozi propunha para isso uma atitude de desprendimento, de evitar tentar controlar o sentido das ações, que ele denominou de Wuwei [não ação, ou ação isenta]. A partir desse ‘agir não agindo’, numa recusa do desejo, poder-se-á inferir que tal sábio não sofreria com a experiência de angústia:

O discípulo da sabedoria estuda dia - a - dia;
o discípulo de Tao perde-se dia a dia.
Pela contínua renúncia
consegue-se que as coisas acabem correndo por si.
Nada fazendo tudo acaba sendo feito.
Aquele que conquista o mundo muitas vezes o conseguiu pela não-ação,
Quando alguém é compelido a fazer alguma coisa,
é porque o mundo está pronto muito além de sua conquista. [Verso 48]

Com relação a esse acontecimento passado, o sábio sequer teria a preocupação em como o mesmo poderia estar praticando aquilo que havia decidido terminar, pois isto o faria ter desejo, mas aceitaria o fato como parte do fluir das coisas e não se manteria diante da situação com arrependimento; ou seja,as medidas tomadas com a utilização da liberdade não seriam postas em cheque simplesmente pela ausência de desejo, rancor. O sábio seguiria com sua jornada tranquilamente, mesmo após passar por um lugar que o fizesse recordar de algo ou o lembrasse de uma decisão tomada.

No exemplo dado anteriormente, se o rapaz que jogava basquete seguisse os conselhos de Laozi, o mesmo ao passar pelo local onde teria uma lembrança do esporte que praticava, não sofreria com aflições de nenhuma natureza, mas encararia a questão como parte do fluir da vida e como parte da escolha que fez; estaria desejando se por um momento arrependesse-se ou percebesse que talvez poderia ter feito outra escolha, pois já pensaria na possibilidade de estar jogando novamente. O sábio não deseja! (Nunes, 2003)

Ao fato futuro, há de se empregar a mesma lógica. No exemplo em questão, o sábio está diante de uma ponte a qual corre risco de cair: o mesmo pode escolher o suicídio, atravessá-la ou sentar na mesma e ficar até criar alguma coragem; porém, o sábio, como não receia a morte [que um dia ocorrerá, inevitavelmente], rejeita o niilismo e também precisa seguir seu fluxo, sem desejos, medos ou ressentimentos, atravessando a ponte tranquilamente.

Um não sábio entraria em angústia pelo fato dessas três possibilidades serem totalmente insuficientes, a sua percepção de que tem liberdade e a necessidade de escolher uma dentre as três possibilidades o deixaria num estado angustiante.O sábio não pensaria em suicídio porque estaria desejando morrer e o único desejo que ele pode ter é o de não desejar, não ficaria sentado até criar coragem porque ele não sente medo, então só restaria seguir adiante seu caminho, sem preocupações (Watts, 1995).

No entanto, é preciso ficar atento aos ensinamentos de Laozi e não confundir com niilismo ou um pessimismo com relação a vida. O taoísmo filosófico também tem como pressuposto a harmonia com a natureza e também consigo mesmo; um estado de pessimismo com relação a vida, que pode acarretar em um niilismo ou desejo de findar a vida, não resulta em harmonia, principalmente no que tange a natureza. Retirá-la seria romper com a naturalidade das coisas e até mesmo uma negação da existência que poderia possibilitar, antes de mais nada, uma continuação da ligação desse sábio com a natureza. Apesar do sábio não ter medo da morte, não ter desejos ou preocupações, o mesmo não pode errar ao desejar a morte ou desejar não ter vivido, pois contraria o fluir do universo, a ordem do Tao, além de demonstrar uma extrema impaciência e ansiedade, alguns atributos que Laozi não postulou naquele a que chamou de sábio (Watts, 1995).

Conclusão
Logo, após a resolução, tornar-se-á importante lembrar que o sábio chinês de Laozi não sofreria com a angústia da qual falara Sartre, principalmente por ter como fator determinante o não desejo. Torna-se importante ressaltar a importância da ontologia do nada, pois esse ‘nada’ é o que empenha o sábio em seu agir não agindo, além de demonstrar como tudo o que existe precisou do vazio para ser, pois precisou preencher tal vácuo para poder existir, enquanto o vazio sempre "está", mesmo não existindo, é a ação do invisível no visível.

Por conseguinte e não menos importante, a caracterização do sábio taoísta jamais deve ser igualado a de um que escolhe pelo niilismo, pois como já for a demonstrado, o sábio rejeita o desejo, impaciência, tristeza...e quaisquer outras determinações que contrariem a ordem do Tao e venham a desarmonizar o ambiente ou a si próprio. O sábio não se angustia!

Referências
Arthur D'Elia é graduando de Filosofia da UERJ.

JULLIEN, François. Pensar a partir de um fora [China]. Revista Periferia, v. 2, n. 1, jan./jun. 2010
NUNES, Murillo. O livro do caminho perfeito: Tao Té Ching. São Paulo: Pensamento, 2008.
SARTRE, Paul. O ser e o nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 2013.
WATTS, Alan. TAO: O curso do rio. O significado e a sabedoria do taoísmo, de acordo com os ensinamentos de Lao- Tzu, de Chuang- Tzu e de Kuan-Tzu. São Paulo: Pensamento, 1995.

25 comentários:

  1. Arthur parabéns
    Achei o trabalho muito intrigante, gostei muito do texto que você cita também Pensar a partir de um fora, contudo penso que poderia ter incluso nas discussões Michel de Certeau, que poderia enriquecer muito o debate no que tange ao lugar social dos autores.

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  2. Marcos Vincius Andrade Gomes1 de outubro de 2018 às 16:19

    Arthur parabéns
    Achei o trabalho muito intrigante, gostei muito do texto que você cita também Pensar a partir de um fora, contudo penso que poderia ter incluso nas discussões Michel de Certeau, que poderia enriquecer muito o debate no que tange ao lugar social e como ele está presente na fala do Sabio e de Sartre.

    Ass: Marcos Vinicius Andrade Gomes

    PS: desconsiderar a postagem acima foi erro de principiante

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    1. Ah sim, vou procurar por esse autor. Obrigado pelo elogio!

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  3. Arthur,
    Esse desprendimento envolve um esvaziamento da relação humana? Não pode ser entendido como indiferença perante a angústia, no caso do sábio chinês?
    Alexandre Rodrigues Neto

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    1. Esse desprendimento significa uma recusa da cultura, sociedade. Eu não diria que é um esvaziamento da relação humana, pois esse esvaziar implica que possa ser preenchido novamente, como um copo. Está muito mais para a colocação de um fim em quaisquer resquício humano-social.

      Não trata-se de uma indiferença perante a angústia porque o sábio chinês simplesmente não se angustia, então se ele não se angustia, não pode sentir indiferença, pois sequer sente angústia.

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  4. Querido Arthur, seu texto está incrível, parabéns, meu amigo! Gostaria apenas, que você pudesse esclarecer, um pouco mais, sobre a ausência de desejo do sábio. Obrigada!

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    1. Olá, muito obrigo pelo elogio. A ausência de desejo se dá porque o sábio deixa com que as coisas sigam seu fluir, seu fluxo. Ele age não agindo. Se o sábio desejasse, mudaria tudo e o fluir das coisas não ocorreria mais naturalmente, mas agora mediado por ele como sujeito da ação.

      Desejar implica escolher um caminho, dar forma a algo. O sábio não escolhe caminhos, eles simplesmente acontecem e, principalmente, quem dá forma é o nada, o tao.

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    2. O único desejo que o sábio pode ter é o de não desejar, mas quando atinge o estado de não desejo, inibe a possibilidade de angustiar-se até pela ausência de desejo. Ele simplesmente deixa o tao seguir o seu caminho.

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  5. "Por conseguinte, vale ressaltar que na escrita chinesa, principalmente a da época, havia a palavra ser, mas utilizada como um verbo auxiliar, não um conceito (como nos gregos)..." Gostaria de saber mais porque o "ser" tinha essa utilização?

    Eduarda Oliveira Silva

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  6. O verbo ser não existia no chinês clássico. Uma definição emprega duas palavras "vazias", Che e yeh. Por exemplo, uma definição de ren (humanidade) assumiria a seguinte forma: ren che jen yeh. O segundo ren é um caráter diferente que significa "homem". Em outras palavras, a sentença define por analogia, dizendo, com efeito, "humanidade e a qualidade do homem".

    Podemos dizer somente que "eu professor", no sentido de "sou". Podemos dizer que simplifica o ato de comunicar, pois posso dizer somente "eu doente" ou "eu bonito". Os chineses recorriam à analogia ao invés da inferência.

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  7. Ana Paula Sanvido Lara3 de outubro de 2018 às 23:14

    Boa noite, Arthur. Se a angústia está, como disse Sartre, relacionada à liberdade de escolha e a "saída" de Laozi é não escolher, mas deixar as coisas seguirem seu fluxo para não sentir tal angústia, esta posição de passividade perante a vida não geraria também angústia? Porque penso que, vivendo dessa forma, em algumas ocasiões outras pessoas poderiam determinar que o sábio fizesse algo que ele não queria ou não gostasse (um líder político ou religioso que o colocasse em determinado serviço, por exemplo.) Seria, então, o não sentir a única forma de não ter angústias? Dizer ao sábio que ele não deve desejar nada não seria dizer também que ele não deve negar-se a nada?
    Abraços!

    Ana Paula Sanvido Lara

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    1. Boa tarde! Vou responder uma pergunta de cada vez, essa indagação é totalmente pertinente.

      1- Veja, ele não "escolhe" não agir, a angústia pressupõe essa escolha e ele não escolhe, simplesmente não age (e ao mesmo tempo que não age está também agindo). E o sábio não corre o risco de angustiar-se por reconhecer que as coisas estão num fluxo e que esse fluxo representa o que ele deve respeitar para se tornar pleno; não existe uma relação de finalidade, o sábio não age não agindo com a finalidade de fazer parte desse fluxo, até porque isso já seria desejar, mas esse agir não agindo , mais especificamente o não agir, é a própria ordem do tao. Para se enquadrar nessa lógica do tao, não pode desejar chegar a ela, mas simplesmente deixar fluir.

      2- O "não sentir" faz parte da saída do sábio, mas o mais fundamental é que para o taoísmo filosófico, é necessário uma fuga da cultura, sociedade, até porque as determinações sociais não são coniventes com o tao. Nesse sentido, então, essas obrigações não o atingiriam, pois ele se isolaria, sairia da sociedade sem que ninguém soubesse. O Lao Tsé, inclusive depois de terminar o tao te ching, simplesmente saiu da sociedade, sumiu, e ninguém sabe seu paradeiro até hoje; ele foi para o meio do mato, floresta, pois ali estabeleceria novamente o mais adequado contato com a natureza e detalhe: Ele abandonou suas roupas, pois estas são uma forma advinda da sociedade, cultura.

      3- Não, porque se ele aceitar qualquer coisa que ofereçam a ele, terminaria com esse fluir do tao, porque acabaria por negar a si próprio, estaria em desarmonia consigo; o sábio não é um niilista. O único desejo que o sábio pode ter, é o de não desejar; mas a partir do momento em que ele rompe com o desejo e atinge o estado de não desejo, afirma a si próprio seguindo a ordem do tao e não a ordem social, das relações sociais.

      Abraço!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Olá, boa noite. O texto é muito interessante, por abordar uma temática pouco comum nas universidades brasileiras e por sua articulação com o Sartre. Ao ler o primeiro trecho do pensador Laozi, surgiu a seguinte questão: ao tratar de um vazio que origina a matéria em lugares passiveis de ocupação, tal lógica seria contrária a ideia de liberdade em Sartre? Pois assim, haveria uma espécie de determinismo, mesmo com possibilidades de ocupação diferente para determinado objeto, sujeito ou ação no universo.

    Marcello de Araujo Pimentel.

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    1. Boa noite! Veja, o vazio não origina a matéria, mas dá forma ela são opostos complementares. Sem vazio não há matéria e sem matéria não há vazio. Não há um determinismo, pois há uma relação de complementariedade, como disse acima, o vazio é o complemento, dá forma. Um exemplo bom seria o copo, o que determina a utilidade do copo? é o vazio que existe nele para que você possa preencher com algum líquido.

      Com relação a liberdade de Sartre, não entraria em contradição, pois o indivíduo age conscientemente e escolhe dentre várias possibilidades o que irá fazer, assim como o sábio. Para Laozi a liberdade é indispensável, sem ela não há fluir, não há essa determinidade do tao, pois estaria tudo já determinado de alguma maneira.

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  10. Arthur D’Elia,
    Me sinto lisonjeada em poder ler seu texto, principalmente pela comparações de dois filósofos tão maravilhosos. Muito obrigado!

    Com relação ao acontecimento passado e a angústia (em tal acontecimento) no ponto de vista de Laozi, "aceitar o fato como parte do fluir das coias..." não significa acreditar que um ser divino ou superior defina a ordem das coisas?

    Débora de Oliveira Soares

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    1. Olá, muito obrigado pelo elogio.
      Com relação a sua pergunta, não seria o mesmo que acreditar nesse caráter determinante de uma divindade porque o tao é algo que está imanente e não transcendente, tao não é um Deus ou Deusa que rege o universo, mas algo que por sua ausência de ação, acaba por determinar certas coisas no universo produzindo harmonia, tao não gera finalidade, não tem é algo que tem como característica a teleologia, ao contrário de um ser divino.

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  11. Arthur D’Elia,
    De que maneira o sabia tomaria uma decisão de maneira sensata, já que o mesmo "sequer teria preocupação em como poderia estar praticando aquilo que havia decidido terminar"?
    O sábio tomaria tal decisão por impulso, de modo que assim "deixa todas as coisas seguir seu fluxo"?

    Débora de Oliveira Soares

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    1. Não, isso seria mais um niilismo. O agir não agindo pressupõe do sábio um conhecimento do contexto também, de modo que ele por exemplo não aceite tudo o que lhe é imposto, pois isso seria produzir desarmonia consigo mesmo. Com relação ao ambiente, uma das preocupações do sábio é com o ambiente também, pois ele precisa harmonizar-se com ele. Outro fator que deve-se considerar, é o fato de que Laozi propôs um abandono por completo da cultura, civilização, sociedade...então temos que imaginar o sábio num local completamente isolado, no meio do mato e nu, sem qualquer contato com seres humanos. Claro que enquanto o sábio ainda estiver em sociedade, ele deve agir de tal modo que não produza mal a ninguém,sem prejudicar outrem...

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  12. A questão do desejo, apontada pelo filósofo Laozi. Isso também se aplica aos prazeres sexuais? A insatisfação?

    E quanto ao pensamento de Sartre. O ser humano sempre enfrentaria situações angustiantes? Porque no meu ver, tomada determinada decisão frente a três possibilidades, o ser livre se deparará, no presente, com infinitas possibilidades de futuros, pois ao lembrar-se de sua escolha poderá sempre se arrepender e assim entristecer. Logo o ser nunca se contentará e sempre viverá angustiado, infeliz.

    E, para Sartre, o que ele "não é" corresponderia as infinitas possibilidades de vidas, que assumida umas das infinitas alternativas, o ser poderia admitir no presente?

    Débora de Oliveira Soares

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    1. Sim, se aplica as questões sexuais também, mas o uso do termo "desejo" é num sentido amplo que abarca não só a questão sexual. O ato sexual pressupõe desejo para ocorrer.

      E quanto a Sarte, eu não diria que o ser humano sempre vai se angustiar, que necessariamente passará por isso, mas que ele pode se angustiar, tem uma tendência.

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    2. Sobre as possibilidades, é exatamente isso. O ser tem várias possibilidades dentre as quais pode escolher.

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  13. Arthur D'Elia,
    Muito bom e pertinente seu texto e estudos sobre existencialismo. Pouco comum discutirmos isto em nossos meios acadêmicos.

    No caso, a liberdade e as escolhas geram angústia, segundo Sartre. A "solução" ou a reflexão que se pode concluir deste pensamento seria a aplicabilidade do "não-desejo", propagado pelo sábio chinês Laozi, antes dele.

    Contudo, o que podemos pressupor como outro viés de pensamento ou "solução" para a angústia (sem a concepção do 'não-desejo' do sábio Laozi)??
    Há alguma outra vertente??

    Por fim, acho interessante a questão do "não-agir". O que pode servir como uma possibilidade de se compreender o teor do que é a angústia. E ainda, sua relação com a liberdade e as escolhas que a precedem, como bem explica Sartre.

    No entanto, partindo para uma visão historiográfica ou histórica, como podemos aplicar o "não-agir" (apesar da individualidade desta 'não-ação'), a uma problemática acerca das lutas de classe e as grandes revoluções??
    Seria aplicável ou crível,também neste aspecto??

    Grata.

    Ass: Gisely Capitulino da Fonseca.

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  14. Sobre a primeira pergunta, para "fugir" da angústia acho que o budismo também forneceria uma saída, o de certo modo o Nietzsche, até mesmo o Marx.

    Com relação a segunda pergunta, eu sou marxista e particularmente não vejo esse não agir como uma boa alternativa a não ser que toda a coletividade se mobilize de uma tal maneira que faça isso ser eficaz como fez Gandhi, mas acho muito difícil. E sim, o modo como Laozi toma esse não agir é meramente de forma individualizada, o que não condiz com uma revolução, já que se trata de um movimento que se daria coletivamente. A revolução e a consciência de classe seria uma processo de ordem coletiva. Até mesmo Sartre é problemático com sua ideia de liberdade, recebeu muitas críticas de Lukács.

    Aliás, o que Laozi está propondo, é uma recusa a sociedade, cultura também.

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