Camila Domingos dos Anjos

“NÃO É POUCO O FRUTO QUE SE FAZ ENTRE OS MENINOS”: OS JESUÍTAS E A DOUTRINA DOS MENINOS (1540-1570)

Objetivamos analisar as iniciativas de conversão aos “menores” goeses de até 14 anos, a partir das cartas dos jesuítas organizadas na Documenta Indica entre 1540-1570. Analisaremos quais as estratégias adotadas para que tais populações nativas interiorizassem as normas e as crenças cristãs. Dentre as populações menores, trabalharemos especificadamente com os não convertidos nascidos no Estado da Índia que estavam submetidos ao doutrinamento dos jesuítas. Tendo em vista que os menores não ficaram alheios ao projeto colonizador cristão português e foram objeto de atenção, quais as iniciativas tomadas para promover a sua conversão? Quais as expectativas depositadas sobre eles?

No Estado a Índia, as atividades jesuíticas foram iniciadas em maio de 1542 com a chegada de São Francisco Xavier (THOMAZ, 1994). Na ilha de Goa concentrou-se, a princípio, um grande movimento de chegada dos Jesuítas, porém, em função das suas pretensões missionários, os membros da Companhia de Jesus foram dispersos por todo o Oriente, onde se estabeleceram na Província do Norte, Goa, Província do Sul e Malabar, regiões em que fundaram Colégios e casas de ler e escrever onde buscaram exercer atividades educacionais.

Em Goa, ressaltamos a atuação da Companhia de Jesus no Seminário de Santa Fé (1542) e no Colégio de S. Paulo (1548). Criada em 1540, a Confraria da Santa Sé se tornou um espaço dedicado a ação pedagógica e a formação de um clero nativo. Apesar desta pretensão, Tavares constatou que a falta de livros e professores caracterizava um ensino simples, ao qual pouco moços e meninos sabiam algo além de ler e escrever. (TAVARES, 2007).

Nos primeiros anos após a chegada dos jesuítas no Estado da Índia, principalmente nas regiões mais distantes, os Colégios e as Casas de ler e escrever fundadas eram bem rústicas. Em 1552, por exemplo, ao escrever de Coulão, o padre Nicolau Lancilotto relatou que a Igreja e o Colégio eram construídos de "taipas e cubertas de folhas de palma", mas que esperava construir em breve um colégio de pedra e cal, onde receberia meninos nobres de até 12 anos que após serem instruídos, sucederiam os lugares de seu pai ocupando posições importantes, regendo povos e multiplicando as conversões (WICKI, 1950). Através da carta de Lancilotto, podemos perceber que os jesuítas guardavam em pequenas e simples estruturas grandes pretensões. Loyola, por exemplo, acreditava que as crianças ao terem a sua formação dentro dos ensinamentos católicos e bons costumes poderiam extinguir seus antigos erros, uma vez que estariam afeiçoadas a verdadeira fé desde pequenas (COSTA, 2007).

Nas casas de ler e escrever e nos Colégios, o ensino da doutrina cristã estava intrinsecamente associado a educação das primeiras letras. O que podemos constatar é que na maior parte dos Colégios e Casas, o ensino se resumia apenas a isso, com exceção de alguns estabelecimentos, como Colégio de São Paulo.

A estrutura do Colégio de São Paulo e o conteúdo ensinado aos alunos (a princípio gramática, canto, artes, latim, aritmética, e posteriormente teologia é acrescida) era sem dúvida mais complexo e completo do que era ensinado nas Casas de ler e escrever. Ademais, enquanto nas Casas de ler e escrever os meninos eram reunidos por algum padre ou irmão que ia a cidade com uma campainha chamá-los para aprenderem a doutrina por algumas horas, no Colégio de São Paulo havia meninos que residiam no estabelecimento e deveriam futuramente compor um clero nativo. Por isso, estavam suscetíveis a uma rotina mais completa de ensinamento.

Comum a todos os ensinos, desde as Casas de ler e escrever mais simples até o Colégio de São Paulo, era o ensino das primeiras letras. É interessante notarmos que ainda que em Portugal uma parcela modesta da população fosse alfabetizada, no Estado da Índia, a instrução das primeiras letras parecia ser imprescindível para o projeto evangelizador e poderia representar a própria adesão plena a cultura portuguesa e cristã (RAMOS, 1988; SILVA, 1993). A ação missionária jesuítica promovida nas Casas de ler e escrever e nos Colégios buscou a longo prazo alterar gradativamente através de trabalhos rotineiros os hábitos da população nativa por meio da memorização dos rudimentos da fé, dos costumes portugueses, do aprendizado e uso do diário do português (BITTAR; FERREIRA, 2007). O projeto era ambicioso e visava o aumento da cristandade, não apenas pela conversão dos meninos, mas sobretudo porque eles constituíam um meio de atingir outros contingentes populacionais “depois que o mesmo senhor os tomar por instrumentos e vasos de sua palavra” (WICKI, 1960). Quando “feito domésticos e criados nos bons costumes”, os meninos incentivavam os seus pais e outras pessoas a serem cristãos e a se confessarem, seja através de sua devoção ou de seu trabalho como intérpretes. (WICKI, 1954). Citaremos alguns exemplos abordados pelos padres.

Em uma carta que redigiu em Baçaim, ficou explícito a expectativa de Paulo Gomes de utilizar os meninos instruídos para formar “intérpretes para a gente da terra" ao qual esperava-se muitos frutos e a conversão de muitas almas, pela qual os meninos “eram um grande meio” (WICKI, 1960).

Em 1553, o padre Gaspar sugere que os meninos mais engenhosos deveriam ser aprender todas as ciências até que se tornassem “homens perfeitos” para se tornarem membros da Companhia e trazer muitos a conversão “ (WICKI, 1950).

O padre Frois também acreditava que os meninos eram um grande meio de trazer outros a conversão e como exemplo, narrou a ocasião em que um menino de oito ou nove anos que havia sido batizado recebeu instrução dos padres do colégio para que quando retornasse à sua casa ensinasse a doutrina a outros meninos gentios e vizinhos. Dito como esperto, o menino passou a se esconder atrás da porta de sua mãe para que quando parasse algum menino, ele o levasse até a casa de sua mãe onde lhe dava o que comer e falava das coisas de Deus até persuadi-lo a ir se converter no Colégio. Por vezes esquecia-se de suas “forças naturais” e tentava levar a conversão mancebos e homens. Quando percebia que boas palavras não bastavam, pegava-os pelos vestidos e gritava pelas ruas se alguém poderia o ajudar para que aquele homem se fizesse cristão. Ademais, outros dois ou três meninos no colégio também possuíam o dever de “adquirir meninos gentios”, ao qual depois vem a conversão os pais e as mães e assim trouxeram uns trinta meninos e suas famílias. (WICKI, 1954)

A questão de atrair meninos gentios também foi abordada pelo padre Paulo Gomes (1562), que viu nos meninos uma oportunidade de contornar os desafios ocasionados pela questão do idioma e da comunicação precária.  Os meninos auxiliavam o padre Gomes a ensinar a doutrina em suas visitas ao Hospital de Goa e por vezes, ao retornarem para a casa traziam com eles outros meninos "porque como eles sabem lingoa, e se conhecem, são grande meo para os outros mininos, e sem dúvida que claramente se vee entrar em deos estes mininos.” (WICKI, 1958)

Constantemente os meninos estão associados as iniciativas de conversão, ora como aqueles que necessitavam ser convertidos e educados, ora como um meio necessário para alcançar outras conversões. No segundo caso, os missionários utilizavam os meninos como intérpretes e faziam uso da representação de devoção, sabedoria e constância na fé que os meninos possuíam para impressionar a população adulta com os seus cantos, diálogos e representações, que ao contrário dos menores tendia a ser fraca na fé e retroceder as suas práticas gentílicas. São poucas as cartas que criticam com alguma dureza a constância da fé dos meninos, sua proveniência e desempenho.

Como pontuamos, uma questão comum que permeia a maior parte das cartas analisadas era a constatação de que os meninos sensibilizavam, confundiam e inspiravam os adultos. Luis Frois (1561) pontuou que a doutrina possuía um notável proveito, pois os meninos e crianças de pouca idade saíam pelas aldeias cantando a doutrina. Em uma dessas ocasiões, um homem honrado que andava “por esses rios a cima” viu uns meninos apascentando o gado de seus pais e o faziam entoando a doutrina. Ficou o homem “muito cativo desta música” e se derramou em lágrimas ao contar ao padre o que viu. Segundo Gaspar, ao utilizar os meninos, a Companhia estava usufruindo de todos os talentos que o senhor os oferece, “meios para conseguir los fines que aquá venimos buscar”. (WICKI, 1950)

A sabedoria dos meninos também era destaque entre as pessoas. Além de ensinarem os escravos em casa, a noite se reuniam a mandado de seu mestre e iam para as ruas disputarem entre eles quem havia aprendido mais a doutrina. Em ocasiões festivas, os meninos arrumavam um pequeno altar na rua e o decorava com velas acesas e imagens devotas, onde também praticavam a disputa trazendo muito solenidade a festa. Quando algum menino errava, outro dava continuidade e com isso se causavam muita devoção aos homens, mulheres e familiares que iam para as janelas assisti-los. Os homens honrados apreciavam tanto as disputas, que montavam um rico altar para eles e iam aos colégios pedir permissão aos mestres para os meninos saírem e irem até os altares para praticarem a doutrina. (WICKI,1962)

Se os meninos eram um grande meio de inspirar e comover as populações locais, não podemos deixar de reforçar que para além das grandes pretensões de preparar os meninos para o ofício de intérpretes, ou utilizar os filhos de elites locais para converter aldeias inteiras, a maioria dos missionários acreditava que a conversão dos pequenos traria consigo a conversão de suas famílias. Em Baçaim, Melchior Nunes Barreto (1552) relata que durante o dia, um irmão andava pela cidade com uma campainha chamando os meninos para a doutrina. À noite, em casas os mesmos dedicavam o seu tempo a ensinar em voz alta os escravos e sua família com cantos e palavras de edificação ao Senhor. Segundo o padre, a construção de um colégio para meninos da terra se fazia essencial, pois “o verdadeiro fundamento da fé a ser acrescentado nessas terras” era por via de colégio e doutrina de meninos, pois através deles, outros viriam a conversão. (WICKI,1950)

Em 1555 um relato muito semelhante ao de Baçaim foi feito em Goa (WICKI,1956). É interessante pensarmos que se na Europa do século XV/XVI observa-se uma crescente atribuição da responsabilidade da educação dos filhos os pais com a valorização da educação através de ideias humanistas, no Estado da Índia, os jesuítas incentivavam um processo inverso (SOUZA, 2008). Cabia aos meninos instruídos na fé católica guiarem os seus pais nos bons costumes e na verdadeira fé. A expectativa da salvação do núcleo familiar era depositada sobre os meninos, que ainda que “gente de pouca idade e nova no leite da fee”, tinham muito sentimento e devoção, o que trazia muitos frutos a uma terra tão estéril. (WICKI,1962)

A conversão dos entes familiares e a dos próprios meninos poderiam ocasionar em situações conflituosas, sobretudo quando os pequenos eram convertidos sem o consentimento dos pais, que mesmo após a conversão do filho, se recusavam a se batizarem.  O conflito de interesses poderia ocasionar o desmembramento da família, ora porque os meninos optavam por residir no colégio, ora porque os jesuítas se recusavam a entregar os meninos aos pais gentios. Traremos aqui dois exemplos, um com base na carta de Francisco Cabral e de George Caldeira.

No primeiro exemplo, conforme o padre Francisco Cabral, em novembro de 1562 um menino de 6 ou 7 anos foi encontrado e persuadido firmemente a ser cristão.  Dois dias depois, os seus pais mouros foram procurá-lo no Colégio e por simplicidade um irmão consentiu que o menino conversasse com eles. Com muitas lágrimas começaram abraça-lo e a dizer que “como se fazia cristâo e dexá-los? E o minino vendo-os chorar ficou muito enteiro, dizendo Ihes que não chorassem, porque elle avia de ser christão e eles devião tãobem fazer”. Logo após, o menino começou a pregar a fé cristã como se fosse cristão a muitos anos. Magoados e em lágrimas, os pais disseram ao menino que não bastava ele se fazer cristão, queria convence-los também a ser. Visto que seus pais se mostraram irredutíveis, o menino os deixou. (WICKI,1958)

No segundo caso, após o batismo do jubilo, os meninos pediram ao padre para irem buscar os seus pais e o padre consentiu a partida dos mesmos desde que acompanhados dos meninos órfãos portugueses. Ao encontrarem os seus pais, os meninos pediram para que eles se fizessem cristãos, pois do contrário, o padre não os devolveria de volta para a sua casa e família. Em função disso, muitos desses trouxeram seus pais consigo (WICKI,1960). Esta carta não só nos evidencia mais uma vez que os meninos eram utilizados para instigar a conversão da população adulta, desta vez não pela devoção, mas sim por meios coercivos, como aponta que alguns meninos residiam no Colégio contrários à sua vontade e ansiavam pelo retorno a sua família. Dessa forma, embora pensamos que a educação promovida pelos jesuítas seja uma violência mais dócil, se compararmos com a captura dos meninos órfãos de suas famílias após o falecimento do pai para serem entregues a tutores cristãos, não podemos nos esquecer que os meninos nem sempre poderiam optar por não recebê-la (ANJOS, 2016). Inclusive, o padre Pero Vaz foi um dos poucos padres que pontuou de forma mais aberta como os jesuítas se aproveitaram dos laços de parentescos para expandir os meios de conversão. Segundo Vaz, a retirada das crianças de suas famílias não só trazem a fé os pequenos, como, mas também muitos outros em função "amor que a gente dessa terra se tem uns aos outros, principalmente os que se crião em casa” e por experiência sabe-se que se não se “toma uns não se convertem muitos” (WICKI,1962).

Se a educação acontecia pelo “amor”, como os padres citam, o processo que conduzia os meninos a este projeto nem sempre sucedia da mesma forma e representava um ato de violência tanto aos meninos encarcerados no colégio, como a própria família que precisava lidar com a intromissão da legislação portuguesa em sua vida familiar e no cotidiano.

A companhia de Jesus tinha como objetivo primeiro a função missionária, contudo ela se revelou uma ordem docente, debruçada sobre a formação da mocidade, obviamente além da formação de seus próprios membros. Como uma das partes mais importantes da sociedade colonial estavam os agentes da religião católica a serviço de seu rei permeando todas as camadas sociais, convertendo, educando, obrigando, punindo e doutrinando as sociedades locais com justificativas legais, políticas e espirituais (CASEMIRO, 2007).

Em Goa, o trabalho dos Jesuítas foi dedicado a educação dos órfãos, catequese, pregação, ensino, caridade e prestar assistência aos doentes e presos. Para tanto os jesuítas construíram uma série de Casas de ler e escrever e Colégios onde se empenharam em um trabalho de educação e aculturação dos meninos. Acompanhado a este projeto, estavam depositadas grandes expectativas para novas conversões ao qual os meninos seriam um “grande meio”. Ademais, esperava-se também que os meninos iriam compor uma nova cristandade constante na fé, pois ao contrário dos adultos, os meninos não haviam vivenciado demasiadamente nos costumes gentílicos, portanto poderiam ser “moldados”.

Com base nas expectativas criadas em torno da conversão dos meninos, as autoridades régias e eclesiásticas desmembraram núcleos familiares. Os missionários buscaram nas crianças nativas um caminho para atingir o coração dos adultos, seja através meios coercivos ou das representações de docilidade, disposição de aprendizagem e devoção dos mesmos.

Após recolhidos nos colégios, os meninos foram submetidos a uma rotina de evangelização e tarefas que visavam dignifica-los, prepara-los para uma vida cristã. As Casas de ler e escrever, bem como os Colégios constituíam um projeto de domesticação calcado na educação dos menores. Essa educação desenvolvida através ação catequética promovia a longo prazo um processo de aculturação em ações evangelizadoras que confluíam numa única ação o ensino da catequese e a escolarização das primeiras letras. O ensino das primeiras letras acompanhado da doutrina cristã fornecia aos menores os conhecimentos necessários para se tornarem homens honrados, obedientes e necessários para garantir manutenção da ordem.

A evangelização dos meninos representava também o anseio de que uma vez convertidos, eles poderiam ser utilizados para fins específicos e extremamente importantes, como a própria expansão do cristianismo na Ásia portuguesa, esta que estava atrelada a própria sobrevivência do império (XAVIER, 2008). Os meninos poderiam render muitos frutos como intérpretes, pregadores e possíveis membros da Companhia.

Uma vez considerados perfeccionáveis, após serem instruídos na doutrina cristã, os meninos cresceriam firmes e constituíram o papel de porta vozes da verdadeira fé, comovendo seus pais, meninos, adultos e comunidades inteiras. 

Referências
Camila Domingos dos Anjos, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História pela UFRRJ.
E-mail: camila.hstr@hotmail.com

Fonte:
WICKI, Joseph. Documenta Indica. Roma: Monumenta Histórica Jesu, 1950-1968.
Bibliografia:
THOMAZ, L. F. De Ceuta a Timor. Lisboa: Ed. Difel, 1994
XAVIER, A.B. A invenção de Goa: poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008.
ANJOS, C. D. A Cruz e o Império: a expansão portuguesa e a cristianização das bailadeiras e viúvas em Goa (1567-1606). Dissertação (Mestrado em História; Relações de Poder, Linguagens e História Intelectual) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 157p.  2016.
SOUZA, Lais Viena de. Educados nas letras e guardados nos bons costumes. Os pueris na prédica do Padre Alexandre de Gusmão S.J. (Séculos XVII e XVIII). Dissertação (Mestrado em Pós-Graduação em História) - Universidade Federal da Bahia. 2008.
BITTAR, Marisa; FERREIRA JUNIOR, A. Casas de bê-á-bá e colégios jesuíticos no Brasil do século XVI. Em Aberto, v. 21, p. 33-57, 2007
CASIMIRO, A. P. B. S. Igreja, Educação e Escravidão no Brasil Colonial. Politéia (Vitória da Conquista), v. 7, 2007, p.86.
COSTA, C.J. “Educação jesuítica no Império Português do século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”. In: José Maria de Paiva; Marisa Bittar; Paulo de Assunção. (Org.). Educação, História e Cultura no Brasil Colônia. 1ed.São Paulo: Arké, 2007.
RAMOS, Rui. Culturas da alfabetização e culturas do analfabetismo em Portugal: uma introdução à História da Alfabetização no Portugal contemporâneo. Análise Social, vol. XXIV (103-104), 1988, pp. 1067-1145.
SILVA, Francisco Ribeiro. "História da Alfabetização em Portugal: fontes, métodos, resultados" in A História da Educação em Espanha e Portugal. Lisboa, Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação 1993, pp.101-121.
TAVARES, Célia C. da S. Francisco Xavier e o Colégio de Goa. Revista Em Aberto, v. 21, n° 78, 2007.


18 comentários:

  1. Bom dia Camila, tudo bem? Venho parabenizar pela excelente pesquisa, e adorei saber sobre a atuação dos jesuítas em Goa. Faço pesquisa sobre a atuação dos jesuítas no Japão, e pelo que pesquisei no Japão os primeiros 30 anos da missão jesuítica a conversão se deu com ajuda de imagens sagradas devido a barreira lingüística de portugueses perante os japoneses. Com o tempo os jesuítas usaram um estratagema de converter as altas camadas, os damyos, e todos aqueles sobre seu domínio também se convertiam. Qual a metodologia utilizada para a conversão desses meninos nos Colégios fundados pelos jesuítas?
    Angélica da Cruz Bernardo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Angélica, tudo bem? Obrigada pelo comentário.
      Minha pesquisa segue em andamento, mas das cartas dos jesuítas que já li, pude perceber que os métodos e até mesmo o que se esperava dos meninos variou bastante conforme as regiões. Pensando em Goa, que é a minha proposta, eu pude perceber que pelo menos nos vinte primeiros anos após a chegada dos jesuítas no Estado da índia, essa educação era bem experimental. A partir de 1566 houve uma “padronização” do que era ensinado e como era ensinado com a chegada da cartilha do padre Marcos Jorge. Como minha pesquisa segue em andamento, não posso afirmar no momento se isso permanece. Os anos anteriores foram marcados por uma educação mais subjetiva ao que os jesuítas consideravam importante ensinar e limitada as dificuldades impostas pela questão do idioma e a simplicidade dos colégios. Quando a cartilha chegou em Goa e nas demais regiões, eu encontrei um certo padrão do que era ensinado.
      A metodologia também variou conforme os padres e dentro do colégio, seguia-se as instruções do reitor, o que poderia variar conforme o reitor. Independente disso, posso citar alguns métodos que encontrei. Escrevi tudo isso antes para que quando eu citasse alguns métodos, você pudesse pensar que eles não eram uniformes, permanentes ou do mesmo momento.
      Para converter os meninos, os jesuítas investiram no aprendizado do português (leitura, escrita e fala). Utilizaram-se para isso cartilhas com imagens e posteriormente também textos e diálogos para a fixação do conteúdo. Cito por exemplo, a cartilha do padre Marcos Jorge. Algumas cartas mencionam também que os meninos sob supervisão dos padres deveriam repetir o conteúdo várias vezes ao dia para que pudessem fixa-los. Depois de 1570 também encontrei relatos de cartilhas que foram traduzidas (pelos padres) para na língua malabar, pois nem todos os meninos eram considerados “hábeis” para o aprendizado e apresentavam dificuldades. Os mais “engenhosos” eram separados e ensinados teologia, retórica, latim, etc..
      Outro método de conversão dos meninos era o sequestro dos mesmos de sua família após o falecimento do pai. A legislação portuguesa considerava órfão todo menor cujo o pai falecesse, independente se a mãe ou outros familiares fossem vivos. Ao longo do século XVI foram decretadas uma série de leis que instigavam a retirada dos meninos órfãos de suas famílias para serem convertidos no colégio. Essa legislação é conflitante e oscilava, pois por vezes o concílio provincial de Goa revogava o direito de a mãe cuidar da criança e por vezes os alvarás régios decretavam que as crianças só poderiam ser tomadas se todos os parentes fossem mortos. Os meninos eram retirados e levados ao colégio para se converterem e serem educados nos bons costumes. Em nossa documentação, temos indícios que dentro do colégio esses meninos eram convertidos antes de possuírem algum entendimento, ou a idade da razão e também estavam suscetíveis a rotina de aprendizado e memorização da doutrina cristã.
      Outra questão que sempre aparece nas cartas é que os padres utilizavam das músicas, representações teatrais e diálogos para os meninos aprenderem e decorarem a doutrina. Algo muito recorrente após as cartas de 1560 é a disputa em público. Os meninos do colégio eram levados as festas cristãs da região onde deveriam cantar, representar ou disputar. Essas disputas eram feitas com base na memorização de diálogos da cartilha do padre Marcos Jorge. Os que acertavam mais eram recompensados com prêmios, o que estimulava o aprendizado. Como as disputas eram em público, toda esta representação ensaiada e dita em voz alta acabava por repassar a outras populações os rudimentos da fé.
      Espero ter ajudado, qualquer coisa estou a disposição!
      Camila

      Excluir
    2. Bom dia Camila, ajudou sim e estou muito satisfeita com a resposta. Obrigada.

      Excluir
  2. Oi Camila,
    parabéns pelo texto.
    No processo de catequização dos indígenas no Brasil, por parte dos jesuítas, observou-se que esses religiosos estudaram profundamente os povos nativos. Um dos exemplos que acho muito interessante é o esforço de se estudar o seu idioma. Não me recordo de nomes de autores, mas os jesuítas escreverem livros que tratavam da língua dos indígenas no Brasil.
    O mesmo ocorreu em Goa?

    Desde já agradeço,
    Fábio Henrique Silva dos Santos.
    e-mail de cadastro no Simpósio: fabhssantos@yahoo.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa noite Fábio, tudo bem? Agradeço o comentário.
      Ocorreu sim! Em diversas cartas encontro os missionários mencionando a importância de aprender a língua local para aprimorar e expandir as conversões. Inclusive encontrei cartas que os missionários questionavam a qualidade e honra dos intérpretes, razão pela qual deveriam eles mesmos aprender a língua local e dialogar diretamente com as populações nativas. No artigo “Convergências e Divergências: O Ensino nos Colégios Jesuítas de Goa e Cochim durante os séculos XVI-XVIII“ da professora Maria de Deus Manso, a autora menciona que essa foi uma das principais preocupações dos jesuítas desde a chegada de Xavier. O esforço foi acompanhado de traduções de cartilhas e produção de vocábulos utilizados para atenderem os objetivos dos missionários. Cito por exemplo, Arte da Língua Tamulica e Vocabulário escrito por Henrique Henriques, o Vocabulário Tamulico-Português do Padre Antão de Proença. O Padre Thomaz Estêvão traduziu em concani a Cartilha da Doutrina Cristã do P. Ignácio Martins e compôs uma Grammatica também.

      Camila dos Anjos

      Excluir
  3. Olá Camila, boa tarde!
    Parabéns pelo texto, curso uma disciplina optativa, também pela UFRRJ, que trata sobre o Império Asiático Português e seu texto foi fundamental para esclarecer os pormenores da conversão ao catolicismo. Nesse sentido, minha questão está no contexto atual da localidade, é possível dimensionar uma possível "sequela" para o quadro escolar? Ou seja, as estruturas das instituições de ensino,locais, hodiernamente resguardam algo das Casas de ler e escrever?

    Grata.
    Nathalia Alcantara Camargo Pereira
    nathaliacamargo14@gmail.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Nathália, que bom ver uma companheira da rural por aqui!
      Infelizmente não tenho como responder sua pergunta, pois tenho um conhecimento muito raso sobre escolas na índia atualmente. Eu apenas teria cuidado com essas pontes estabelecidas. São séculos de distância e a índia passou por outras colonizações depois da portuguesa. O Colégio de São Paulo foi criado, a princípio, com o intuito de formar um clero nativo em um momento específico de expansão e atualmente a índia vive um outro momento.

      Camila dos Anjos

      Excluir
  4. Olá, Camila.Excelente trabalho, sou estudante de História, me interessei bastante pela sua pesquisa e gostaria de saber se você teria dicas para que eu pudesse começar uma analise para temas voltados a construir uma pesquisa para entender melhor essa dinâmica e influencia da ordem Jesuítica no Oriente, quais assuntos você acha que necessitam de pesquisas mais aplicadas na área?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Evellyn
      Muitos temas são revisitados, as mesmas fontes analisadas, contudo com olhares , propostas, objetos de pesquisa diferentes. Penso que o tema de pesquisa é algo bem pessoal e somente as leituras poderão amadurecer a sua pesquisa e te lavar a caminhos que você irá considerar importante escrever sobre. A Professora Célia Tavares trabalhou bastante com os jesuítas no Oriente e possui online vários artigos e sua tese. Você pode começar pegando referências clássicas por aí.

      Camila dos Anjos

      Excluir
  5. Olá Camila! Parabéns pelo texto. Estudo o Seminário de Santa Fé e o Colégio de São Paulo, em Goa, e seu texto tem muitas relações com minha pesquisa. Gostaria apenas de perguntar sobre o recorte temporal: por que o ano de 1570 como limite do recorte? Alguma situação/evento específico?

    Abraços

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Felipe, grata pelo comentário.
      O recorte da minha pesquisa se estende até 1606 (data do último concílio provincial de Goa), contudo, não analisei cartas para além do recorte proposto neste trabalho. Além disso, a partir de 1566 houve uma “padronização” do que era ensinado e como era ensinado com a chegada da cartilha do padre Marcos Jorge. Na maior parte do Estado da Índia, a cartilha chegou depois da década de 70 e em Goa, os indícios que tenho é que ela chegou em 1566. Antes disso, a educação dos meninos era algo mais subjetivo ao que os jesuítas consideram importante ensinar. Me dediquei a essa parte mais experimental.
      Abraço,
      Camila dos Anjos

      Excluir
  6. Olá Camila Boa noite, parabéns pelo texto.
    Sabemos que a educação jesuítica assumia um caráter bastante doutrinário centrado nos ideias cristãos. Porém fiquei curioso se nas fontes da qual você fez isso para produzir seu texto em algum momento citar insurgência e formas de idolatria em negação a educação posta pelos jesuítas?
    Roberto Ramon Queiroz de Assis

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Ramon,
      As minhas fontes são muito brandas ao representar os meninos. Não encontrei muitos padres questionando a natureza dos meninos, sua fé ou costumes. Talvez, porque acreditava-se que eles não teriam vivido demasiado tempo na "gentilidade" .Sempre vejo isso relacionado com a população adulta, em como são fracos na fé, idólatras ou não aceitavam a conversão. Como resistência a catequização jesuítica, vi alguns poucos relatos de meninos que fugiram do Colégio. Sobre os pais dos meninos, encontrei indícios de que eles apresentavam resistências tentando se mudar Goa ou escondiam os seus filhos das autoridades portuguesas. Há relatos de assassinato dos padres também.

      Grata pelo comentário
      Camila dos Anjos

      Excluir
  7. Olá Camila, tudo bem?
    Fiquei um tanto quanto intrigada com o caso do menino de 6-7 anos que deixou os pais por eles se recusarem a serem cristãos. Suspeito muito de uma criança nessa idade em dois dias ser convertida e abandonar os pais. Os jesuítas se gabam muito nas fontes e muitas coisas certamente não foram da forma que eles narram, o que você acha desse caso em específico e como tem sido seu trabalho crítico com as fontes? Outra pergunta é qual o poder prático que os jesuítas possuíam para não devolver as crianças, eles realmente podiam fazer isso? Obrigada!
    Letícia Takahashi Hokari

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Letícia, tudo bem?
      Penso como você e acrescento essa desconfiança a fonte. Nenhuma dessas cartas eram desinteressadas, muito contrário, estavam sempre a pedir por algo (como dinheiro para os colégios ou homens para as missões).
      A questão dos meninos tenho pensado em como os jesuítas podem ter construído representações sobre eles ( como a constância na fé, devoção, honestidade e pureza) para apontar como possíveis resultados da ação missionária a fim de justificar os esforços e investimentos empreendidos ou também realizar solicitações. Penso também que a relação entre os meninos e familiares com as autoridades eclesiásticas e régias podem ter sido marcadas muito mais por conflitos do que por esta “fácil e rápida aceitação”, como muitas vezes é colocado. Sobre a sua última questão, dependendo da data (a legislação oscilava com muita frequência), os jesuítas possuíam suporte, inclusive pela própria lei, para retirar as crianças órfãs de suas famílias e instrui-las independentemente do consentimento das mesmas. A retirada das crianças poderia ser efetuada pelos próprios padres, mas não apenas por eles, havia suporte de outras autoridades régias e eclesiásticas. Muitas famílias resistiram deslocando-se para outras localidades. Há relatos de padres assassinados também.
      Grata pelo comentário. Qualquer dúvida estou à disposição,
      Camila

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.