Rafael Egidio Leal e Silva

O DESTINO DO CAPITÃO COOK NO HAVAÍ: RELIGIÃO, SEXO E MORTE NA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA DE MARSHALL SAHLINS

Este artigo tem como objetivo analisar o tema da cultura e da religião segundo a antropologia, utilizando aqui como referência os “encontros coloniais” analisados sob a ótica da antropologia histórica, de Marshall Sahlins (2003), especialmente o caso do capitão Cook, que, aportado em fins de 1778 e início de 1779 nas ilhas do Havaí foi ali tratado como figura divina, de acordo com a visão religiosa daqueles nativos, episódio que se revelou trágico com a morte do capitão. Muito mais que um fato histórico, o objetivo do antropólogo é a investigação das nuances estruturais que envolvem tal encontro e outros tantos “encontros” culturais, inclusive a da antropologia (a cultura científica) e a cultura nativa (o local). Há também, como pano de fundo, acerca da expansão capitalista e seu entendimento no âmbito microssocial, ou seja, que as relações colonizador e colonizados foi muito mais complexa que podemos supor a partir da ótica da exploração econômica.

O tema da religião justifica-se por ser tema recorrente e fundamental para compreensão dos fenômenos culturais e sociais, conforme podemos perceber nas teorias, tanto sociológica (Weber, 2004) quanto antropológica (Levi-Strauss, 2005).Qual a relação entre religião e cultura? Como se pode compreender a cultura a partir dos “encontros coloniais” entre os havaianos e o colonizador inglês, estudado por Sahlins, a partir dos dados acerca da visão religiosa dos povos em questão?

O estudo da religião, suas interfaces e relações com a cultura já vem de longa data. Franz Boas, considerado um dos clássicos da Antropologia, em um ensaio de 1910, intitulado 'A religião dos índios americanos', considera a religião como o grupo de conceitos e atos que surge da “relação do individuo com o mundo exterior, desde que essas relações não sejam atribuídas a forças físicas cuja ação pode ser explicada por considerações puramente racionais” (Boas, 2004, p. 311). Assim, por mais transcendente que possa parecer, a religião tem relação estreita com a forma que os indivíduos encaminham suas vidas, segundo o autor alemão. No entanto, na religião não há espaço para o “puramente racional”? Para aquilo não é, e nem pode, ser completamente explicado?

O peso simbólico e tradicional da religião nas sociedades é, sem dúvida, fundamental para a compreensão da cultura. A religião emerge como sistema altamente simbólico, que forma e que dá sentido às sociedades e aos homens que comungam da cultura desta. Assim como o texto A ética protestante e o “espírito” do capitalismode Weber (2004) demonstra, a religião dá sentido às transformações do mundo, e no caso da ética protestante, foi essa que melhor se adaptou ao “espírito” do capitalismo e as abruptas e radicais transformações que vieram em seu bojo.

A experiência do sagrado implica no contato com objetos criados pela humanidade, em suas múltiplas determinações históricas. É a experiência que nos re-liga ao sagrado, “algo de extraordinário e potencialmente perigoso, embora seus perigos possam ser domesticados e sua força aproveitada para as necessidades humanas” (Berger, 1985, p. 39). O profano se constitui das rotinas da vida do dia-a-dia, que não possuem potencialidade extraordinária, e nem perigo à cosmovisão. A religião constitui-se de práticas objetificadas da humanidade oriunda de sua praxis.

Em dois textos do seu livro Ilhas de história, M. Sahlins (2003) trata do encontro entre os havaianos e o Capitão James Cook, no final do século XVIII: Suplemento à viagem de Cook; ou “le calcul sauvage” e Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante. Nos dois ensaios, Sahlins irá trabalhar com o encontro entre duas culturas: os havaianos e os ingleses, e, mais ainda, o choque que isso gerou.

A discussão do antropólogo norte-americano baseia-se em compreender como culturas nativas e suas estruturas sociais foram conformadas pela expansão capitalista, ou seja, como tal mudança cultural, “induzida por forças externas mas orquestrado de modo nativo, vem ocorrendo há milênios” (Sahlins, 2003, p. 9). Isto por que as sociedade primitivas não são “tão isoladas quanto a antropologia em seus primórdios, obsecada pelo interesse evolucionista com o antigo, gostaria de acreditar” (idem, p. 9). A tese defendida por ele é que a sociedade havaiana não foi mera vítima do capitalismo nem teve atitude passiva, já em franca globalização no século XVIII, mas que a população nativa tem papel crucial na forma que a força externa foi implantada (LANNA, 2001).

Os acontecimentos envolvem os navios Resolution e Discovery, comandados pelo Capitão James Cook, no final do ano de 1778 e início de 1779, na costa do Havaí. Recepcionado por cerca de dez mil nativos (cinco vezes mais que a população local normal), que cantavam e o exultavam, se atiravam ao mar em canoas ou aos braços, com presentes locais de toda ordem. Foi no Havaí que Cook permitiu as relações sexuais dos seus marinheiros com as nativas locais, que havia sido proibido em janeiro de 1778, temendo o “Mal Venéreo”.

“Uma vez já na praia, o sacerdote levou Cook pela mão até o templo de Hikiau. As pessoas que estavam em seu caminho corriam para suas casas ao ouvirem os gritos de “Ó, Lono” do arauto, ou prostravam-se no chão. Lono é o deus associado à reprodução humana e ao incremento natural que retorna anualmente às ilhas junto com as águas fertilizantes do inverno; ele também é o rei antigo em busca de sua noiva sagrada. Em janeiro de 1779, o capitão Cook foi levado a cumprir no templo os ritos de boas-vindas a Lono. Cook tornou-se realmente a imagem de Lono” (Sahlins, 2003, p. 141).

Algumas semanas após este episódio, Cook foi morto pelas mãos dos nativos que o endeusaram. Claro, devemos mencionar aqui que há um debate antropológico acerca do significado da divinização de Cook em Lono, a partir do questionamento do antropólogo Obeyesekere, sintetizado por Silva: “Para Obeyesekere, Cook foi alvo de um ‘ritual de investidura’ que fez dele um alto chefe havaiano (leia-se humano) e somente após sua morte é que foi ‘deificado’ pelos havaianos” (Silva, 2002, p. 408). Tal ideia releva-se plausível, como discutiremos adiante, mas não aprofundaremos aqui o debate acerca de tais concepções. O que é importante é que Cook foi inserido na cosmovisão teológica havaiana, e isto gerou consequências sociais de grande relevância.

A fim de explicar tais acontecimentos, Sahlins nos traz noção de Incidentes paradigmáticos. Esses são os eventos privilegiados nas sociedades ditas “performativas”, que são sociedades mais propensas à reorganização social devido às continências do que aquelas baseadas na ritualística. Evento, segundo Sahlins, “é a relação entre um acontecimento e a estrutura (ou estruturas): o fechamento do fenômeno em si mesmo enquanto valor significativo, ao qual se segue sua eficácia histórica” (Sahlins, 2003, p. 15, grifo no original). Ou seja, o evento deve adquirir significação histórica, deve adquirir importância interpretativa. O incidente paradigmático, nesse sentido, é um evento que adquiriu importância para a sociedade performativa e passou a integrar a história dessa sociedade. As viagens do Capitão Cook para o Havaí que ocasionaram a sua morte foram incidentes paradigmáticos no sentido que tiveram significação profunda para as duas sociedades envolvidas (que são, nesse caso, as duas performativas: a havaiana e a sociedade inglesa/ocidental moderna), tanto para os havaianos, quanto para os ocidentais que tiveram que repensar o seu imperialismo, nos fins do século XVIII: “Assim, somos lembrados – em um brilhante ensaio de Bernard Smith (1979) – que se Cook morreu como um deus havaiano, também encarnara um novo tipo de imperialismo europeu” (Sahlins, 2003, p. 167).Sahlins preocupou-se com a cultura desses “encontros” entre povos que se transformaram em eventos históricos. Assim, para ele, há uma interação entre cultura, história e indivíduos:

“A historia é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas. O contrário também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na prática. A síntese desses contrários desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas envolvidas. ” (Sahlins, 2003, p. 7).

Sua análise está no caminho de idas e voltas na cultura concebida como quadro referencial e ações sociais episódicas. Os mitos têm a capacidade de orientar e significar ações. As ações, sobretudo imprevistas, como o caso de Cook são a possibilidade das sociedades reviverem situações míticas. As estruturas semióticas culturais não são vistas por ele como monolíticas, intocáveis e de coerência perfeita: o risco da ação afetar a estrutura está sempre presente, pois, quando a interpretação mítica se revela equivocada, os homens alteram seus rumos.

O choque de culturas no caso analisado por ele se deu em todos os aspectos da vida cotidiana. As relações entre os ingleses e as havaianas foram, desde sempre, muito sexualizada: “as mulheres se ofereciam por acreditarem em um deus, e os marujos as aceitavam por terem esquecido a sua existência” (Sahlins 2003, p. 26). São duas sociedades com estruturas sociais e culturais diferentes que devem conviver e se adaptar: a havaiana e os marinheiros ingleses. Para a cultura havaiana, que o sexo é componente fundamental da vida social e da liberdade das pessoas, sendo parte essencial até da religiosidade, a vinda dos navios ingleses, em determinada data foi de encontro com diversos mitos daquele povo. Assim, o sexo com os marinheiros era feito como um mandamento divino. Os marinheiros, ao contrário, são oriundos da cultura ocidental, onde o sexo é visto mais como algo a ser ocultado e com objetivo primordial de procriação humana (o mandamento / referencial religioso é: crescer e multiplicar). Para que a cultura dos marinheiros se amoldasse a situação que viviam, passaram a agir como se “não existe Deus algum para esse lado do Cabo Horn”, ou seja, como que abandonaram sua religiosidade para poder se relacionar livremente com as havaianas. Mas claro, ainda assim, seguiam os padrões culturais originários de sua terra: “Assim mesmo, não recebeu inicialmente o título de ‘prostituição’, que em breve receberia. (...) Ainda assim os marinheiros sabiam retribuir os serviços prestados. Para ser mais preciso, eles reificavam as carícias das mulheres como ‘serviços’” (Sahlins, 2003, p. 27). Assim, o que era divino e religioso, pelo lado dos nativos, era pecaminoso e libidinal para os colonizadores. Para as havaianas, o sexo deveria ser prazeroso, e daquelas relações, acreditavam que poderiam gerar filhos dos deuses, de acordo com seu cálculo transcendental.

Mas nessa complexa relação, não apenas as mulheres procuravam os marujos para as relações sexuais, mas os homens as levavam também: suas mulheres, irmãs e filhas. Era a hipergamia espiritual, ou a hospitalidade dos havaianos em relação aos “seres superiores”. Sahlins, assim demonstra que a sociedade havaiana possuía uma estrutura social totalmente distinta da sociedade ocidental. Enquanto nós ocidentais usamos a medida da personalidade a propriedade privada das pessoas, para os havaianos, essa medida se dava pela sexualidade das pessoas, e inclusive era o que definia o papel do sujeito na sociedade: “ a estrutura do reino é a forma sublimada de suas forças de atração sexual” (Sahlins, 2003, p. 39).

Não podemos esquecer a dimensão política da religiosidade havaiana. “No ‘esquema cultural’ havaiano, todo novo chefe é concebido como um usurpador que vem de fora fertilizar a terra com seus poderes divinos.” (Lanna, 2001, p. 119). A concepção de mundo nativa implicava que a civilização vinha de fora para dentro, e que o chefe é necessariamente um elemento hostil. Aqui vem a diferença sutil entre o sistema de religião baseada no amor e na sexualidade para um sistema político baseado na violência.

Violência e sexo: duas extremas forças (a destruição e criação; morte e vida) que são comumente relacionadas à animalidade e natureza do homem. Tanto uma, como outra parecem nos escapar da cultura, e são relacionadas com nosso impulsos animalescos de sobrevivência. São, no entanto, elementos mediados pela cultura. A violência e a sexualidade humana são, propriamente, humanos, pois são mediados pelos conteúdos e “fantasmas” que habitam nossa consciência, inclusive a ideia que nos desumaniza quando somos violentos ou quando fazemos sexo, ou quando fazemos os dois. O sistema cultural havaiano (e não só o havaiano, mas o cristão também) estabelecia um ethos para a vivência do amor e da violência, mediado pelas normas da transcendência religiosa. O inglês, estrangeiro nas terras e na cultura, usufruiu dos corpos das mulheres havaianas, que se entregavam religiosamente à fertilidade prometida. Os ingleses, porém, desconheciam as regras envolvidas na entrega do amor pelas havaianas, e reiteradamente passaram a descumpri-las, ainda que por ignorância, os tabus sociais do amor na cultura nativa.

As relações deste encontro começaram também a se tornar cada vez mais tensas quando os furtos dos havaianos começaram a ficar mais frequentes, e quando os chefes começaram a participar, ainda que indiretamente, da subtração dos bens dos navios ingleses, conforme Sahlins (2008). De “insolência” a ousadia dos furtos passou a estremecer tal relação e a incomodar os ingleses. A violência chegara ao ponto do roubo do veleiro guarda-costas com o espancamento de um destacamento britânico. Com um grupo de fuzileiros navais, o capitão Cook conduzia o rei Kalaniopuu sob custódia quando uma comitiva de notáveis e a esposa do rei interveio. O rei abatera-se, amedrontado. Ao mesmo tempo, uma multidão chegou, hostil a Cook e sua comitiva. O que se seguiu, foi a tragédia.

“Cook foi forçado a atirar (inutilmente) num homem que o ameaçava com uma longa adaga de ferro. (...). Os vários relatos daquilo que se seguiu são confusos, mas unânimes em afirmar que a multidão pegou em armas, passou ao ataque, e que Cook caiu – pelo golpe, novamente, de uma adaga de ferro. Foi um assassinato ritual, afinal, coletivamente administrado: mais de uma centena de havaianos se precipitaram sobre o deus caído para participar de sua morte.” (Sahlins, 2008, p. 54).

Após tal evento, “na última inversão ritual, o corpo de Cook seria oferecido como um sacrifício pelo rei havaiano” (Sahlins, 2003, p. 142). Tal inversão nos adverte o antropólogo norte-americano, em nada contrariava o pensamento polinésio e era uma possibilidade, considerado o combate real. Outra ideia polinésia aqui cabível retrata a condição humana: “os homens às vezes (ou mesmo freqüentemente) são compelidos a infligir uma derrota ao deus para garantir sua existência, através da apropriação do poder feminino – a terra que sustenta e nutre” (idem, 147). Desta forma, o assassinato de deus é perfeitamente condizente com a visão de mundo havaiana, e, considerando a lógica da usurpação do poder político, a violência aplicada ao deus confere ao homem a usurpação de seu poder alienado. A mulher, fundamental para a fertilização (e Lono era o deus-fértil) aparece aqui novamente: ela deve retornar ao domínio do homem, para que possa sustentar, nutrir e gerar. Reforcemos a ideia da alienação, como discutimos acima:

“Os homens, assim, aproximam-se do divino, portanto, com uma mistura curiosa de submissão e orgulho, cujo objetivo final é transferir para si a vida que os deuses originalmente possuem e continuamente incorporam e que somente pode ser concedida por eles. Uma relação complexa entre súplicas e expropriação, sucessivamente trazendo o sagrado para o domínio humano e dele o banindo. A vida humana só é possível através de uma espécie de deicídio periódico. Caso contrário, o deus é separado dos objetos da existência humana por atos de devoção que seriam iguais na vida social ao roubo e à violência – para não falar em canibalismo. ” (Sahlins, 2003, p. 149).

Esta seria a dialética da religião havaiana, que aliena e objetiva sua religião inserindo-a na lógica humana. A morte de Cook foi o mote para que o rei Kalaniopuu fosse posteriormente assassinado por envenenamento por seu sucessor e assim a lógica da estrutura do mundo havaiano continuasse a seguir, inserindo este evento em sua cadeia. A cosmovisão havaiana objetiva e aliena seus deuses, estabelecendo assim as diferenciação do sagrado e do profano. Sexo, roubo e violência são atividades profanas, a não ser que sejam insertas nos mistérios da fé, que abriga e orienta a violência humana. Trata-se aqui de uma religião de guerreiros, e tanto sua violência, quanto o seu amor violento devem ser canalizados para a construção do mundo. Sem falar no canibalismo: quando a carne e o espírito do outro é incorporada no homem, assim como no sexo: a incorporação da carne e do espírito do outro, que gera uma nova vida e transforma o mundo.

Cook foi um homem da modernidade, e, conforme escreveu em seu diário: “Esses são os companheiros inevitáveis do homem que faz Descobrimentos” (Sahlins, 2003, p. 168), tais riscos eram calculáveis e valiam a pena ser vividos por algo maior.Colonizadores dominaram seus colonizados, não há dúvida, mas tal dominação foi socialmente mais complexa (humanamente complexa) que tradicionalmente aprendemos. Finalmente, Sahlins nos dá preciosas lições, inclusive de política:

“Sahlins destaca a relação entre cosmologia e história e a importância da dimensão simbólica da análise política. Aos povos colonizados não resta apenas a “esperança” de deixar de pensar simbolicamente e passar a ter uma visão racional. Afinal, não há povo que não classifique e construa simbolicamente seus universos culturais. ” (Schwarcz, 2000, p. 131).

Podemos questionar: e o que é a racionalidade, se até mesmo o europeu agiu por meio de uma visão de mundo simbólica e mística, com a ilusão da razão? Tais questões expostas através da antropologia histórica são fundamentais para o nosso tempo, onde a religião cada vez mais se torna fundamentalista e determina não mais o sagrado, mas o profano, o cotidiano das pessoas.

Referências
Rafael Egidio Leal e Silva é professor Me. de Sociologia do Instituto Federal do Paraná Campus Umuarama.

BERGER, P. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.
BOAS, F. A formação da antropologia americana: 1883-1911. Rio de Janeiro: Contraponto/ UFRJ, 2004.
LANNA, M. “Sobre Marshall Sahlins e as ‘cosmologias do capitalismo’”. In: Mana, Rio de Janeiro, v. 7 n 1, p. 117-131, 2001. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132001000100006&script=sci_arttext. Acesso em 10/06/2015.
LEVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. São Paulo: Papirus, 1989.
SAHLINS, M. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
_____. Metáforas históricas e realidades míticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
SILVA, C. “Sobre a interpretação antropológica: Sahlins, Obeyesekere e a racionalidade havaiana”. In: Revista de Antropologia, São Paulo: USP, v. 45 n. 2, p. 403-416, 2002. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012002000200004. Acesso em 10/06/2015.
SCHWARCZ, L. “Marshall Sahlins ou por uma antropologia estrutural e histórica”. In: Cadernos de campo, n. 9, p. 125-133, 2001. Disponível em http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/viewFile/53108/57170 . Acesso em 10/06/2015.
WEBER, M. A ética protestante e o “espírito do capitalismo”. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


17 comentários:

  1. Ótimo texto! Porém fiquei com uma dúvida. Durante o período inglês descrito no texto a Inglaterra passava por diversas reformas religiosas conturbadas, podemos então estabelecer uma conexão com a colonização portuguesa no Brasil e o domínio espanhol no México, sempre com os colonos agindo com um combo descrito pelo Biogeógrafo Jared Diamond como sendo "Armas, Germes e Aço" contra os nativos, porém tanto Portugal como Espanha eram católicos, e os mesmos sempre tiveram uma visão de catequização dos nativos, mesmo que como no México ou até mesmo em alguns momentos no Brasil isso tenha vindo a ocorrer por meio de violência, o senhor acredita que a religião dos colonos venha a interferir em seu comportamento com relação a religião nativa? Poderíamos traçar essa mesma comparação com as Ilhas Orientais Neerlandesas, que estavam sendo colonizadas pelos holandeses em um período religiosamente conturbado na Holanda, onde a mesma rebela-se contra o domínio espanhol? O senhor acredita que o modo com a qual os colonos se comportam tenha relação a religião de seu país?
    Davi Santos Rocha

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  2. Olá Davi! Primeiramente, agradeço pela leitura do texto e pelo interesse. Primeiramente, confesso que não sou um leitor de Diamond (embora esteja na minha lista de desejos de leitura). Diante dessa minha incompetência, fico o "Dossel Sagrado" de Peter Berger, que, para além de armas-germes-aço nos traz os conceitos de objetivação-exteriorização-interiorização da cultura. Assim, temos a dimensão que junto com a colonização não iam apenas aspectos materiais, mas a cultura objetivada e interiorizada e que, exteriorizada gerou relações de (des)encontros (ora pacíficos, ora violentos, como tentamos mostrara neste texto) com a cultura nativa. Acredito que em todos os casos que você citou, houve uma intensa negociação (subjetiva e objetiva) dos colonos com sua religiosidade de origem e a necessária adaptação a cultura e religiosidade nativa, o que faz um campo muito interessante de reflexões para as Ciências Humanas.
    Respondi?
    Agradeço!

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  3. Olá. Gostei desse texto. Uma forma diferente de ver Cook. Retratado em filmes como herói ou vilão. Mas era apenas um ser humano tentando sobreviver em um mundo que não compreendia. Acredito que ele cumpriu seu papel na sociedade polinésia. De ser um deus. Minha pergunta é os polinésios eram tão inocentes? Ou foi feito de caso pensado desde o início?
    Eliane Brown Rodrigues Adorne

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    1. Eliane Brown Rodrigues Adorne, saudações! Muito obrigado pelo feedback! Acho que a personalidade de Cook pode ser melhor explorada em futuros textos. Aliás, você poderia me indicar filmes que o retratem? Tenho interesse nesse tema! Sobre a sua pergunta, já diria o poeta que "há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia", então acho que este é um mistério que dificilmente a ciência histórica e antropológica poderá responder. Mas enfim, eu particularmente não acredito em estado de inocência ou pureza social.
      Grato!

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  4. Boa noite!Há um documentário sobre o capitão Cook feito pela BBC. Viagem de descobrimento-A aventura do capitão Cook. Têm no You tube. Eu não sou historiadora e sim discente de licenciatura. Esse é um tema que se poderia utilizar em uma sala de aula para discutir as questões sociais, desse período histórico, utilizando o viés antropológico de Levi-Strauss. O que tu achas?

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  5. Boa noite!Há um documentário sobre o capitão Cook feito pela BBC. Viagem de descobrimento-A aventura do capitão Cook. Têm no You tube. Eu não sou historiadora e sim discente de licenciatura. Esse é um tema que se poderia utilizar em uma sala de aula para discutir as questões sociais, desse período histórico, utilizando o viés antropológico de Levi-Strauss. O que tu achas?
    Eliane Brown Rodrigues Adorne

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    1. Eliane, muito obrigado pela sua colaboração. Vou procurar esse documentário, e sabendo que e da BBC ja sei que é de qualidade. Tenho realizado atividades com os alunos do ensino medio que envolvem filmes (sou professor de sociologia, e o Davi Santos que comentou acima é meu aluno). Vou testar essa possibilidade com o estruturalismo, que, com Levi-Strauss é realmente bem difícil de se aproximar do aluno. No caso de Levi-Strauss e sua teoria dos mitos, gosto do Medea, de Lars von Trier. Conhece?

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  6. Boa noite!

    Professor Rafael,

    no texto - "Sem falar no canibalismo: quando a carne e o espírito do outro é incorporada no homem, assim como no sexo: a incorporação da carne e do espírito do outro, que gera uma nova vida e transforma o mundo." - Não posso deixar de notar que na cultura Católica Romana existe uma certa similaridade, até porquê se crê que se participa do banquete do "Corpo e Sangue de Cristo", aonde os católicos comem a carne e o sangue de um Deus, com a finalidade de se incorporar a matéria divina na matéria humana. Você tem conhecimentos de outras culturas que tenham experiências parecidas com essa? Será que essas experiências (havaianas e católicas) não podem ter se inspirado em um mesmo fato? Não poderiam ser frutos de uma mesma inspiração, ou isso pode ser comum ao espírito humano de tentar explicar o inexplicável ou até mesmo de se atingir o inatingível? Qual a sua percepção em relação a isso?

    PAULO ROBERTO PICKLER
    prp3006@gmail.com


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    1. Paulo, meu amigo! Que pergunta ein?
      Pois bem! O conjunto de ritos e liturgia que compõem a religião cristã sabidamente incorporaram uma série de ritos pagãos dos povos que compunham as proximidades do cristianismo primitivo. Claro que tal incorporação com necessidades evangelizadoras (de conversão) acabou por ganhar sentidos teológicos cristãos bastante peculiares, se afastando dos ritos pagãos iniciais, classificados por primitivos. Neste sentido, o canibalismo tem uma relação muito estreita com a sexualidade, uma vez que trata da incorporação-transformação da carne. Podemos aqui exemplificar com vários rituais de canibalização em culturas indígenas de nossas terras: muitas vezes somos levados a acreditar que o canibalizado era apenas comido pela tribo inimiga, quando na verdade ele era aprisionado por um tempo, o suficiente para ter um ou dois filhos com mulheres integrantes da tribo. Assim, o sexo e o canibalismo se relacionam com o divino, em relações estruturais complexas e interessantes aos olhos de quem busca o conhecimento.
      Valeu meu amigo, vamos continuar esse papo com uma cerveja!!

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  7. Rafael e demais colegas Boa Noite!
    Primeiro parabéns pelo texto e por trazer a História do Capitão Cook por essa ótica da religiosidade.
    A minha questão é se os colonizadores liderados pelo Capitão Cook se deslumbraram com a forma com que foram recebidos ao serem tratados como Deuses, acabando por se esquecer qual era a missão que lhes cabia naquele momento ou... A religiosidade ou religião dos nativos, não sei que forma poderia assim ser chamada, funcionava apenas como um artifício para não serem dominados?
    Valmir da Silva Lima.

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    1. Valmir, meu grande amigo!
      Acredito que neste caso podemos pensar na ideia da racionalidade weberiana, e sua força civilizadora e dominante por parte dos europeus: por mais que houvesse o deslumbramento (e claro, o deslumbramento ligado ao sexo), os mesmos estavam em missão colonial. Se, no caso da esquadra de Cook houve um fracasso nesse sentido, o colonizador inglês aprendeu sua lição, evitando que futuros encontros tivessem o mesmo desfecho.

      Um abração, e vamos tomar uma na FAISCA!

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  8. Rafael, primeiramente #elenão. Em segundo, parabéns pelo texto e obrigada por compartilhar conosco sua visão atual sobre esse fato histórico.
    Gostaria de saber se você acha possível, nos dias de hoje, nos depararmos com situação parecida, onde homens "endeusassem" outros homens? E se essa forma de "canibalismo" pode ser comparado á algumas teorias onde se acredita que na relação sexual existe uma troca de energia, através dos fluidos corporais que carregam como um código aquilo que cada um é, concluindo então que no ato sexual deixamos um pouco de nós e absorvemos um pouco do outro?

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    1. Dayane, com certeza #elenão!

      Sua pergunta é muito boa, e me remete ao que o Paulo Pickler perguntou acima.

      Como diz o poeta e dramaturgo Shakespeare, existem mais misterios entre o ceu e a terra que supõe nossa vã filosofia,e nossa ciência também.

      O fato é que a vida consciente é uma vida de eterna busca de nossa humanidade e acredito que a chave está em nossas mentes e nossa cultura. Se a ciência não dá conta de explicar determinados fenômenos, é a religião, a arte, a política e outras objetivações que tentarão integrar o fato ao nosso cosmos mental.
      Assim, vejo que a situação que você questiona como uma derivação cultural de crenças muito antigas, como uma tentativa de se explicar o sentimento do amor e do afeto decorrentes do ato sexual.
      Mas é uma questão que nos coloca muitas outras. O que você acha disso?

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  9. Concordo com a parte em que, na falta de resposta recorremos ainda que inconscientemente para a religião ou qualquer outra coisa. Mas nem todo ato sexual gera ou provem do amor ou do afeto. Sendo assim, a comparação entre essa troca energética invisível e o canibalismo no sentido de se alimentar do outro para tomar posse da sua essência, seu poder ou qualidades me parecem um tanto alusivas uma a outra.

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    Respostas
    1. Dayane, desculpa se me expressei mal mas quis dizer "afeto" em amplo sentido, como "ligação". E não há dúvidas que o sexo é uma poderosa fonte de ligação humana, nao somente de corpos, mas de mentes e culturas.
      Podemos perceber isso no caso do texto de Sahlins, que percebe que o sentido cultural por parte do marinheiro inglês ante a entrega sexual das nativas é a prostituição. É nesta categoria que o cosmos ocidental se alinha com a religiosidade havaiana, ainda que inconscientemente.

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  10. Obrigada Rafael. Excelente explicação.
    Abraço!

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