Samara Rodrigues Pino

OS PROCESSOS HISTÓRICOS DA CORÉIA DO SUL: DA FEBRE DA EDUCAÇÃO AO ENSINO NOCIVO

Nesse breve ensaio busca-se traçar os processos históricos que motivaram as mudanças na área da educação na Coréia do Sul, que passou a ser pensada e valorizada, ocasionando transformações em diversos aspectos do país, analisando que efeitos a “febre da educação” coreana possui na modernidade.

Analisaremos a história coreana a partir da derrota dos japoneses que até então ocupavam o território coreano desde 1910,devolvendo a independência a colônia, em um contexto de pôs guerra, onde o mundo encontrava-se dividido em dois polos, capitalismo e socialismo( EUA e URSS), dada essas circunstâncias as duas potências tomaram a rédeas com acordos diplomáticos para a divisão da Coréia, decisão que foi agravada com a impossibilidade de um acordo entre os termos de independência da ex- colônia  “...é de importância dizer que a nação não foi consultada sobre as diversas decisões tomadas pelos novos invasores, o que resultou em uma desaprovação do povo que fez protestos pedindo autonomia, alguns grupos pegaram em armas para tal.” (SOARES, F. M. 2017)

Divididos pelo paralelo 38, o Sul se tornou domínio dos EUA, e o norte domínio da URSS, originando dois países novos a Coréia do Sul e a Coréia do Norte, adotando suas políticas nos seus territórios, gerando os conflitos iniciais, na qual ocorreram as eleições da República Coreana (Sul) e da República Democrática Coreana (Norte), os presidentes eleitos de ambos os lados desejavam a unificação com a permanência de suas ideologias no território completo

Gerando os pequenos conflitos, que ainda não podiam ser considerados algo que resultasse em guerra, já que o EUA retirou seu exercito do Sul, deixando os sul coreanos despreparados e sem armamentos, o Norte que antes mesmo da saída dos japoneses do seu território, já possuíam apoio bélico da URSS e da China, dando o primeiro passo nos conflitos, invadindo e tomando Seul, despertando preocupação dos EUA, que passou a apoiar o Sul  com o medo dos avanços do comunismo, que era uma das grandes preocupações no contexto de Guerra Fria. Com o apoio norte americano o Sul conseguiu recuperar grande parte do seu território dominado, seguindo em direção fronteira a dentro, sob a ameaça de intervenção direta da China caso invadissem. A China mobilizou suas tropas, mesmo com os esforços a capital do Norte Pyongyang foi tomada pelo Sul, que só recuou para fronteira, após a URSS declarar apoio ao Norte, disponibilizando armamentos, soldados e suprimentos.

Um ano após as investidas dos sul coreanos, em 1951 Seul é tomada novamente, gerando o debate do uso de armas nucleares contra os norte coreanos e chineses, mas com a chegada de um novo general a ideia foi deixada de lado, tomando o controle das forças militares. Conflitos permaneceram em pé, com os civis sofrendo os maiores impactos dessa disputa, como ambos os lados possuem pouco recursos naturais, com o pós-guerra foram as ruínas.

O armistício foi assinado oficialmente em 27 de julho de 1953, dois anos após o início dos diálogos de uma possível trégua entre o Sul e o Norte, na qual ambos os lados sofriam com ataques e bombardeios, gerando uma crise na população, sem atingir estabilidade política entre os dois futuros países. Após o tratado ambas as Coreias passaram a se reconstruir, desse processo gerou-se um forte sentimento de nacionalismo pelo Norte e pelo Sul, que restauraram seus países com a politicas das duas grandes potências. Pode-se perceber que a Guerra da Coréia, foi um retrato do que ocorria no contexto de Guerra Fria da época, entre EUA (capitalismo) e URSS (socialismo).

A partir desse momento dedicamos esse ensaio a analisar os passos que a Coréia do Sul efetuou, durante o processo de reconstrução, passando por uma ditadura militar até 1987, que gerou como marca desse período o desenvolvimento econômico e a eliminação de qualquer oposição ao sistema vigente, as relações entre o estado e os bancos, levaram ao rápido desenvolvimento econômico. Com o objetivo de se tornar uma nação industrial e exportadora, foi necessário o investimento constante na área da educação, e nos diferentes espaços escolares, como forma de preparar os cidadãos ao trabalho nas indústrias, seguindo o ideal de que a solução para o país prosperar seria o forte investimento da educação para todos.

A estratégia sul coreana de investimento, foi utilizar os recursos públicos na educação básica, resultando em salas bem equipadas, com profissionais bem preparados, e por haver tanto investimento, os salários dos professores se torna atrativo e valorizado na sociedade. Esse momento ficou conhecido como o Milagre do Rio Han, tornando a Coréia do Sul um dos quatros dragões asiáticos.

Vale lembrar que a Coréia possui tradições vindas da China como confucionismo, que segundo Weber muitos acreditavam que a tradição atrasava a industrialização, mas seus valores eram ligados a adoração ao aprendizado e a sinceridade, se tornando a motivação da economia sul coreana e da educação de qualidade.

Segundo o The KOF Education System Factbook: South Korea, o sistema atual de educação coreana é dividida em três momentos: seis anos do Ensino Fundamental (Primary School), três anos do Ensino Fundamental II (Middle School) e três anos do Ensino Médio (High School), com normalmente 16 horas de aulas durante a semana.

Outro aspecto da educação na Coréia do Sul, é a presença da família nos meios escolares, incentivando seus filhos que estudem e busquem notas melhores, investindo em sua educação para que estejam preparados para o ingresso no mercado de trabalho.

Pelo lado negativo, na modernidade a febre da educação gerou uma mentalidade extremamente competitiva e elitista, com gastos excessivos no ensino, como por exemplo aulas extras e professores particulares, a guerra trouxe a ideia de a educação é a única forma de conseguir estabilidade financeira, sendo as realizações acadêmicas um fator para escolha de profissão, mas também para determinar posição social: “Apesar da abolição da tradicional quatro classes socias de acordo com a ocupação, não importa como aqueles que tem baixo rendimento acadêmico tenham poderosas habilidade, eles não podem evitar as limitações escolhendo empregos” (LEE, 2006, p.9, tradução nossa)

A hierarquia social vinda do confucionismo foi abolida durante a época colonial e a Guerra da Coreia, assim como a Coréia do Sul emergiu das ruínas, um novo tipo de casta associada ao novo sistema de educação surgiu, incluindo instituições de ensino segregadas como privilegiadas ou não.
Os jovens sul coreanos acreditam, que seguir as expectativas de seus pais, estando entre os melhores, e principalmente entrar em uma das três universidades com maior prestigio terá efeitos duradouros no seu futuro, sendo uma forma de manter a honra da família, segundo as ideias do confucionismo a família é o centro de tudo.

Analisando o processo que o sistema de educação coreano passou a partir da separação do Sul e do Norte, podemos perceber que inicialmente a proposta de um novo sistema foi a salvação do país com o desenvolvimento da economia, que conseguiu se reerguer formando sua população para a industrialização. Mas pode-se observar que na atualidade a febre da educação gerou diversos problemas sociais e educacionais, desigualdades de uma educação que inicialmente se declarava para todos. Suscitando discursos meritocráticos, competição entres os alunos, rotinas de estudos abusivas, desigualdade no ensino entre os que poderiam pagar aulas extras e os que não teriam condição. Segundo a Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) a Coréia do Sul possui a maior taxa de suicídio entre crianças e jovens de 10 a 19 anos, grande parte causada ao estresse relacionado a escola. Causando preocupação ao Governo que passou a elaborar situações para a reforma do sistema educacional, projetos como Free Semester Program (FSP) que foi introduzido em 2013 pelo ministro da educação, na qual os alunos participam da escolha dos seus currículos a partir dos seus interesses, esse currículo será utilizado durante um semestre que não haverá provas, com aulas mais atrativas aos alunos.

Atitudes como a troca de saberes entre instituições nacionais e internacionais, podem acarretar mudanças nas gestões, assim como a grande onda de alunos estrangeiros se deslocando para a Coréia do Sul, ocasionam uma mudança de mentalidade, havendo uma interculturalidade que age como forma de reduzir as atitudes

Referência
Samara Rodrigues Pino é graduanda em História, pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
samarapino@hotmail.com

KOF. The KOF Education System Factbook: South Korea. 2017
SOARES, F. M.Entre colônia, guerra interna e divisão do país: Um breve panorama histórico da Coréia no século XX.2017. (Simpósio)
Lee, J. K. . Educational fever and South Korean higher education. Revista Electronica de InvestigacionyEducativa,8(1).No.1,2006.Disponível em:http://redie.uabc.mx/vol8no1/contents-lee2.html
Weber, M. The religion of China: Confucianism and Taoism. Glencoe. Free Press. 1962.

8 comentários:

  1. Oi Samara. O modelo de educação estabelecido na Coreia do Sul apresenta algumas características que vão na contra mão da educação democrática, valorizadora da diversidade e construtora de uma sociedade mais justa e digna. No entanto, como parte integrante de um projeto de nação, que buscava erguer-se economicamente, muitos são aqueles que defendem, infelizmente, a implantação de modelo similar em nosso país. A implantação desse processo educacional sofreu alguma resistência na Coreia do Sul? E de que forma ocorreu o processo de implantação do mesmo? Obrigado! Abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Maicon. No geral não houve resistência dos sul coreanos, muito pelo contrário, foram eles que trouxeram a questão da educação como demanda popular, cidadãos de diferentes classes sociais estavam dispostos a tudo para que seus filhos obtivessem uma educação apropriada. Essa demanda vida da população, se deu por suas raízes vindas da China com o confucionismo, na qual acredita-se que o ensino formal era o papel central na sociedade.
      Havia a necessidade de industrializar o país, e como parte dos planos econômicos da nação, foi implantada uma reforma educacional na qual constava em promover o acesso à educação profissional para criar trabalhadores qualificados e mão de obra para o mercado de trabalho, também foi dado ênfase aos seis primeiros anos da educação, estabelecendo o ministério da educação na qual seria responsável pela administração das escolas, recursos, regularização dos professores e desenvolvimento do currículo, ouve também programas no estilo EaD, e programas que incentivavam uma educação melhorada para os professores, com cursos de dois anos para docentes do ensino fundamental e 4 anos para lecionar no ensino médio.

      Samara Rodrigues Pino

      Excluir
  2. Olá Samara. Vemos ao longo do processo educacional da Coreia do Sul, que o país esteve e ainda está enfrentando problemas relacionados ao seu sistema educacional. Frequentemente vemos que a troca de conhecimentos entre ocidentais e orientais tem trazido, até certo ponto, mudanças que ajudam no dia a dia escolar. Porém não vejo em grande quantidade o oposto acontecendo. Você acha que se o oriente (como no caso da Coreia) tivesse maior ligação educacional com o ocidente, ambos os países poderiam usar seus exemplos para melhorar o sistema educacional?
    Obrigada pela atenção.

    Crislli Vieira Alves Bezerra.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Crislli. Acredito que qualquer tipo de troca de saberes é válida, mas entendo que com o contato atual entre os países por bolsas de intercâmbio, que são poucas, se torna um processo lento principalmente no caso da Coréia, pois sempre haverá pessoas mais tracionais que optaram por manter o sistema do jeito que está, ainda mais que foi o modelo que fez uma nação inteira ressurgir, mas penso que se essa trocas fossem mais constantes e diretas entre ambos países, o processo de modificação e aprimoramento seria mais ágil e eficaz.

      Samara Rodrigues Pino

      Excluir
  3. Olá. Gostei muito do artigo, ainda não tinha lido sobre o ensino da Coreia do Sul nesse estilo de mudança, mas já li sobre a educação na China e Japão pós Guerra Mundial, que também investiram pesado nesse setor, como forma de fazer o país crescer. O confucionismo não faz parte da filosofia do Japão (como predominante), mas faz da China. No caso, seria mais uma mentalidade cultural asiática de valorizar o estudo como forma de ascensão social e manter a honra da família?
    Uma vez vi o edital de bolsas de intercambio de brasileiros para a Coreia, e nas especificações, eles preferiam que não soubessem ingles, pois teria que aprender o Hangul, mas uma coisa que achei bem diferente, era que não havia vagas para areas de medicinas, nem direito, a justificativa, eram que nossa medicina e direitos eram muito diferentes, por isso não haveria como aproveitar as materias cursadas no Brasil. Tem algum conhecimento sobre isso? Poderia me explicar melhor?
    Grata.

    Jorciane Moreira de Campos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Jorciane. Os ideais do confucionismo sempre estiveram ligados na noção de aprendizado, de obter novos conhecimentos, mas também na ideia do mérito como forma de conceder status, com a reforma da educação e as mudanças sociais gerou-se uma ultra valorização dos estudos, podendo perceber que os valores do passado passaram por uma radicalização severa, assim sendo capaz de considerar esse pensamento algo cultural do país que segue até os dias atuais, creio que denominar como uma mentalidade asiática seja um pouco errôneo, sem analisar de fato o pensamento sobre educação de todos os países pertencentes da Ásia a priori.
      Sobre as bolsas, existe diversos editais onde há especificações sobre diferentes níveis de domínio do inglês e do coreano, o edital do KGSP (NIIED) lançado em fevereiro desse ano, deixou especificado a necessidade de um excelente domínio da língua inglesa, no caso do curso de medicina, ele não entra no grupo de graduações oferecidas por ser um curso que excede o tempo limite de 4 anos das bolsa oferecidas, já o direito existe somente a pós graduação em direito internacional, sugiro que acesse o site do NIIED, também existe um grupo no facebook (KGSP 2018 Brasil) que consiste em troca de informações entre estudantes que pretendem tentar a bolsa. Espero ter conseguido explicar claramente.

      Samara Rodrigues Pino

      Excluir
  4. Olá Samara, gostaria de primeiro te parabenizar pelo texto. Acho muito relevante esse tipo de assunto a ser tratado, pois acredito que o ser humano vem em busca ao longo dos séculos de um modelo de educação que seja ideal e que atenda as demandas da sociedade. Entretanto, precisamos voltar nossos olhares para os mais diversos modelos de educação para então assim aprender e aperfeiçoar. O que me preocupa são as taxas de lugares como Japão e Coréia do Sul, em que há um índice alto de suicídio entre os jovens. A minha pergunta é, o que você acha que o Brasil tem para aprender com a Coreia do Sul em questões de moldes educacionais? Considerando claro as questões que influenciam fundamentais como estrutura das escolas e saúde mental dos alunos.

    Grato!

    Breadelyn Corrêa Pires

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Breadelyn. Acredito que assim como a Coréia, o Brasil precisa passar por uma mobilização social, para que assim ocorra uma reforma educacional, na qual o povo precisa estar ciente que o sistema de educação atual é péssimo, pressionando os governantes por mudanças na área, mas para estarmos ciente da situação atual, é necessário obter informações, e infelizmente no nosso país sabemos que muitas pessoas não possuem esse privilegio. Em relação a saúde mental é possível observar que estamos andando pelo mesmo caminho que a Coréia, os alunos adoecem com cobranças exageradas, prazos curtos, pressão familiar, competitividade e ainda precisamos lidar com uma estrutura educacional "fraca".

      Samara Rodrigues Pino

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.