Renan Morim Pastor

O CONFUCIONISMO COMO UMA HERANÇA HÍBRIDA DA MISSÃO JESUÍTA NA CHINA

Nos dias de hoje, confucionismo é uma palavra diretamente atrelada à um sistema filosófico que tinha Confúcio, o filósofo que leva seu nome, como seu expoente máximo e que possui reflexões sobre a moral, política, pedagogia e religião. Embora a afirmação anterior esteja correta, muito do que foi difundido e apresentado sobre o a filosofia de Confúcio entre os séculos XVII e XIX estava diretamente ligado a interpretação dos missionários jesuítas sobre a cultura dos ru [letrados] chineses. O presente ensaio tem por objetivo debater a interpretação jesuíta do confucionismo como um produto híbrido, onde os missionários interpretaram à sua própria maneira os ensinamentos de Confúcio e os livros dos filósofos da cultura ru a fim de demonstrar que na China Antiga, houvera uma religião monoteísta, com preceitos que estariam de acordo com o cristianismo em grande parte, e de que maneira esta interpretação foi difundida na Europa como propaganda da missão jesuíta na China.

As Missões Jesuítas na China
Os primeiros planos de uma missão jesuíta na China começaram com um dos fundadores da Ordem, Francisco Xavier, que depois de passar muitos anos espalhando sua fé em Goa, decide rumar para o Extremo Oriente, mas acaba por falecer antes de chegar à China, na ilha de Sangchuan em 1552. De fato, uma iniciativa missionária oficial apenas começou com a chegada do italiano Alessandro Valignano em Macau, no ano de 1555. Em 1574 Valignano assume o posto de Superior responsável pelas missões do Oriente, função que exerce até a sua morte em 1606.

A chegada de Valignano foi importante como pontapé inicial da missão por trazer o incentivo ao estudo da língua chinesa, a fim de facilitar o contato com os nativos. Valignano também ampliou o núcleo jesuíta em Macau, com a construção de um prédiopara educar e abrigar os padres com destino a China. Em 1576 é criada a Diocese de Macau, que tinha jurisdição sobre as áreas da China, Japão e Coréia. Valignano também foi responsável pela fundação do Colégio Madre de Deus, posteriormente rebatizado de Colégio de São Paulo de Macau, em 1594. A instituição veio a se tornar a primeira universidade de modelo europeu no Extremo Oriente [Assunção, 2015].

A missão jesuíta começa de fato a penetrar o território para além de Macau no momento em que Michele Ruggieri e Matteo Ricci se estabelecem na cidade de Guangdong, com Ricci permanecendo na cidade de 1582 até 1600, onde o jesuíta dedicou-se em aperfeiçoar um modelo de acomodação cultural que fora sugerido por Valignano. A dita política de acomodação cultural foi um traço essencial para o sucesso e sobrevivência da missão chinesa. Embora o modelo no século XVI tenha sido evocado por Valignano, este método tem procedentes mais antigos, que datam da Epístola aos Coríntios, de Paulo, onde se dizia que deveria haver uma simulação ou adaptação aos interlocutores para que pudessem ser conduzidos a Cristo. Paulo também reforçava que seria a obrigação dos fortes na fé respeitar as exigências dos fracos[Prosperi, 1995]. A epístola paulina serviu de inspiração para missionários e teólogos da Igreja durante muito tempo, embora o seu entendimento e aplicação variasse conforme os diferentes contextos históricos e missionários.

Valignano provavelmente amadureceu a ideia da utilização do método de acomodação durante seus anos no Japão, onde os missionários tinham que conquistar as autoridades locais, adaptando-se a um modelo social baseado em comportamentos, código de condutas e vestimentas que fossem bem aceitas pelos locais e que estivessem mais de acordo com o modelo religioso europeu. É preciso lembrar que tanto no Japão quanto na China os jesuítas não possuíam nenhum tipo de apoio militar das coroas europeias ou de autoridade real, como na Índia ou no Brasil, dessa forma, o método de acomodação se tornava essencial para que as missões pudessem funcionar. No Japão, esse modelo de acomodação foi baseado no budismo zen, em relação ao qual Valignano traçou alguns paralelos com sua própria religião. O processo também incluía comer comidas japonesas, beber chá e construir casas e igrejas ao estilo arquitetônico japonês. Em suam, deveriam “se tornar japoneses”[Rule, 1972].
O mesmo processo utilizado no Japão serve de modelo para a missão chinesa, onde os jesuítas estudariam a língua chinesa enquanto adaptavam seus costumes para assim “se tornarem chineses” [Rule, 1972]. Inspirados no modelo budista japonês, Ricci e Ruggieri passam a adotar as vestes e a aparência dos bonzos [monges] budistas da China. A experiência, todavia, teve resultados diferentes do Japão. Os budistas chineses não gozavam da mesma posição e status social dos budistas japoneses e muito embora possuíssem a maioria dos adeptos nas classes mais populares, a grande maioria dos nobres e funcionários de Estado da China, conhecidos como mandarins, eram adeptos da cultura ru.
Em 1595, graças à influência de Ricci, os jesuítas passaram por uma mudança de atitude, passando a adotar as vestimentas similares aos letrados ruístas. Junto com a mudança de vestuário, veio também uma mudança nos objetivos de evangelização da missão, caracterizada como de cima para baixo. A ideia principal era tentar primeiro a conversão de importantes mandarins e até mesmo do Imperador, caso tivessem a chance, pois dessa forma o resto da população acabaria por seguir com mais facilidade. Ricci foi o pioneiro deste método na China, estudando os clássicos de Confúcio e passando a apresentar o cristianismo em uma linguagem tradicional confuciana.

Neste ensaio, iremos examinar algumas características híbridas desta interpretação jesuíta do confucionismo, presentes na figura de Confúcio como o expoente máximo da cultura ru, o que consequentemente leva a adoção posterior do termo confucionismo pelo missionário James Legge no século XIX, e a designação jesuíta para se referir ao seu próprio Deus, feita com uma associação de termos presentes em textos clássicos da literatura chinesa.

Transformando Kongzi em Confúcio, símbolo da cultura ru
Segundo uma parte da historiografia que estuda o tema, incluindo autores como Cervera Jimenez, Paul Rule e principalmente Lionel Jensen, a figura de Confúcio pode ser considerada uma criação jesuíta. Tudo começa na própria maneira de latinizar o nome do filósofo, que era conhecido na China como Kongzi. A latinização Confúcio deriva não de Kongzi, mas de uma forma honorífica encontrada em raríssimas obras da antiguidade chinesa, Kong Fuzi. Os missionários provavelmente tinham o objetivo de diferenciar Confúcio dos outros filósofos da China antiga que também possuíam a forma honorífica “zi” no nome, como Guanzi, Laozi, Zengzi e outros. De fato, “zi” significa “filho mais velho”, e Confúcio é referido dessa forma em vários trechos de suas obras, como os Analectos. Porém a expressão “zi” também era associada a outras nomenclaturas de Confúcio e nunca com seu sobrenome, Kong. Confúcio é referido de diferentes formas nos clássicos e revisões comentadas de obras filosóficas, como Zhongni, Kongzi e Kong Qiu. Kong Fuzi foi, provavelmente, um termo adaptado pelo próprio Matteo Ricci. Ao criarem o termo Kong Fuzi, os jesuítas estariam juntando duas nomenclaturas honoríficas ao nome Kong, o elevando acima dos demais filósofos da cultura ru [Jensen, 1997].

Essa adaptação de Confúcio pode ser explicada nos termos que Peter Burke delimita em seu [Hibridismo Cultural], quando afirma que esse tipo de prática é uma reação comum ao encontro de uma cultura com a outra ou seus itens, o que acaba por gerar um tipo de empréstimo destes itens, aqui, no caso Kongzi, seguido de uma re-contextualização [Confúcio] para o encaixar em seu novo ambiente [Burke, 2003]. Os jesuítas então, em sua interpretação da cultura ru e dos clássicos de Confúcio, atribuíram ao filósofo toda a carga filosófica do ruísmo, o elevando ao posto de uma figura simbólica, representante de toda uma tradição chinesa antiga, que havia se perdido graças à influência do budismo e do taoísmo nas práticas dos ru. Dessa forma, podemos considerar que Kongzi foi re-contextualizado como Confúcio pelos jesuítas, dentro do contexto que os missionários interpretaram suas obras e inserido em sua própria [dos missionários] interpretação do que seria a cultura ru. Nas palavras de Jensen;

“Para os chineses do século XVI, a entidade nativa Kongzi era um homem-deus, um shengren, que era objeto de um culto imperial, o antigo ancestral de uma celebrada tradição retórica, e símbolo de uma honrada fraternidade escolar [os ru, ou “confucianos”] representado pela falange de oficiais presentes em todos os níveis da burocracia Imperial. Mas ante os olhos dos clérigos recém-chegados do Oeste ele apareceu como um profeta, um homem sagrado e santo (...) um colega espiritual que pregou sozinho entre os chineses a sabedoria antiga de um monoteísmo agora esquecido” [Jensen, 1997]

De acordo com Jensen, foi baseado nessa concepção que os jesuítas propuseram uma restauração daquilo que interpretaram como a verdadeira doutrina de Confúcio, o zhengxue. Dessa forma, a partir de uma relação direta com suas concepções monoteístas, os jesuítas transformaram Kongzi em Confúcio e se reinventaram como os defensores de sua doutrina original [xianru] em oposição ao ruísmo “contaminado” pelo taoísmo e o budismo.

Depois de reinterpretarem Confúcio, os jesuítas o apresentaram a Europa, que ainda não havia tido qualquer tipo de contato com o trabalho do filósofo. Ricci, em algumas de suas cartas, descreve Confúcio como o responsável pela transmissão da sabedoria dos antigos e o fundador e representante máximo da “seita dos Letrados”. Ricci não deixa de poupar elogios a Confúcio, afirmando que o filósofo não era inferior a nenhum de seus pares ocidentais e provavelmente superior à muitos deles. Elogios similares foram feitos por muitos outros jesuítas em suas cartas para a Europa, como Trigault, que descreve Confúcio como “príncipe dos letrados” ou “príncipe dos filósofos”, para logo depois maximizar a importância de Confúcio e sua seita com a máxima: “Neste reino não reinam os filósofos, mas pode-se dizer que os filósofos governam os reis” [Trigault, 1621] Com essa frase, Trigault exalta a importância do aprendizado e das letras na estrutura burocrática de governo da China, estrutura essa dominada pelos mandarins que tinham em Confúcio seu patrono. O que chama atenção é o esforço dos jesuítas em construir a imagem deConfúcio que afirmasse a prerrogativa original de seu método de acomodação, onde o filósofo deveria ser o pilar de uma antiga seita monoteísta perdida da China Antiga, símbolo máximo de uma escola fundada em seu nome, uma escola que embora possuísse algumas conotações religiosas, definitivamente não era idólatra, como o budismo ou o taoísmo.

Os jesuítas também tiveram o devido cuidado de evitar a identificação de Confúcio com qualquer tipo de divindade, em função dos ritos e venerações específicas dedicas a ele. Trigault afirma que os letrados e os reis, por tantos séculos o veneravam “não em forma de Deus algum, mas com cerimônias de homem mortal” [Trigault, 1621], e essa veneração tinha por intuito apenas agradecer pela doutrina e sabedoria que receberam dele.

A visão favorável que os jesuítas tiveram de Confúcio obviamente se estendeu a sua doutrina. Mesmo antes da autorização de Valignano para que se mudasse os métodos de evangelização orientados pela perspectiva da acomodação, em 1595, a “seita dos letrados” já chamara a atenção de Ricci. Em uma de suas primeiras cartas escritas na China, em 1584, Ricci comenta que em sua visão, não haviam religiões na China, e sim seitas e que sua preferida era a “seita dos letrados”, comentando que enquanto os letrados não acreditavam na imortalidade da alma, rejeitavam as superstições budistas e taoístas e praticavam um culto ao céu e a terra. Em 1593, em carta endereçada ao Superior Geral da Companhia de Jesus, Claudio Acquaviva, Ricci compara Confúcio a Séneca e ressalta que seus livros são bons documentos em relação à moral. O jesuíta também comenta perceber algumas similaridades entre a moral confuciana e os princípios éticos do Ocidente, com uma afinidade entre a filosofia chinesa e o estoicismo. [Fontana, 2011]

Após a leitura dos clássicos de Confúcio, Ricci acabou por determinar que os chineses antigos possuíam as visões menos errôneas em relação à religião em comparação com qualquer outro povo pagão conhecido na Europa e que adoravam apenas um deus supremo, chamado de “Rei do paraíso”, além de outros espíritos menores. Trigault mantém conclusões similares as de Ricci, acrescentando que acreditava no fato de que muitos chineses de épocas antigas haviam conseguido a salvação, ajudados pela bondade de Deus e a luz natural que tinham dentro de si.

Ricci, ao comentar sobre o chamado “Rei do paraíso”, provavelmente fazia alusões às várias menções de Confúcio ao paraíso [tian], em suas obras, como uma entidade consciente e que possuía paralelos com o Deus cristão. Porém essa definição não só variava entre os diversos filósofos da cultura ru, como também possuía vários termos relacionados ao paraíso. Coube a Ricci trabalhar um termo que pudesse definir e unir essas definições em um só, o que nos leva a mais um tópico que demonstra concepções híbridas dentro da interpretação jesuíta do ruísmo: o nome de Deus.

Tian, Shangdi ou Tianzhu? Definindo o “nome” de Deus
Ao se depararem com as menções de Confúcio ao paraíso e ao concluírem que essas menções seriam ao Deus cristão, havia então a questão da nomenclatura do nome de Deus em chinês, a fim de evitar a confusão, e principalmente a associação a divindades que viessem do budismo. Havia duas opções para os missionários: usar uma palavra existente e equivalente no idioma local ou inventar uma nova palavra. Todavia, as duas opções eram problemáticas, visto que usar uma palavra já existente poderia causar mal-entendidos, enquanto a segunda acarretaria em um esforço maior dos jesuítas para que a palavra passasse a significar algo, pois ela não teria qualquer associação na língua local.

Analisando as opções, Ricci decidiu primeiramente em utilizar uma palavra existente. Todavia, os missionários não decidiram por apenas um termo para se referir a Deus, mas se apropriaram de mais de um. O primeiro deles era tian, que significa céu ou paraíso [tanto o céu natural, onde ocorrem os fenômenos meteorológicos, quanto o céu metafísico, o paraíso], termo este proeminente nas obras de Confúcio. O segundo termo era Shangdi, que significa o “Senhor do Alto”, um termo proveniente da China Antiga, para designar divindades da Dinastia Shang. Apesar do uso recorrente dos jesuítas pelos dois termos, ambos ainda apresentavam problemas. Se usassem Shangdi, corriam o risco de os chineses não diferenciarem o cristianismo do confucionismo, enquanto tian seria um termo vago e impreciso demais.

Em face desse dilema, Ricci acabou por adotar um termo híbrido, na forma de Tianzhu, que seria o “Senhor do paraíso”, termo este que Ricci viu cunhado em uma estela que recebera de presente. Para seus superiores, Ricci justificou o uso de Tianzhu afirmando que os chineses e principalmente os letrados, adoravam o céu como o Deus supremo, alguns sem nem mesmo fazer a distinção entre o céu material e o paraíso. Ao declarar que seu Deus se chamava Tianzhu, Ricci estaria demonstrando o quanto Ele seria grande em relação ao que os chineses tomavam por divindade suprema. Se eles idolatravam o céu, o Deus cristão era o “Senhor do céu” [Rule, 1972].

Para seu público chinês, Ricci em seu catecismo, o Tianzhu Shiyi, argumenta que ao olharmos para o céu [tian], vê-se uma necessidade de um Senhor do Céu para governa-lo [Rule, 1972], o que jesuíta afirma aproveitando-se das características da doutrina confuciana, voltada para a ética e o bom governo. O termo também não teria problemas de adaptação, pois embora fosse um termo novo, era composto de termos conhecidos pelos chineses.

O uso dessa estratégia de tradução reflete a situação dos missionários, que tinham por objetivo convencer os chineses de que o confucionismo clássico, praticado na época de Confúcio, e o cristianismo eram conciliáveis, mas não a mesma coisa, assim como demonstrar que Tianzhunão era uma divindade estrangeira competindo por espaço, e sim o mesmo Tian que fora mencionado por Confúcio, e para isso era necessário associa-lo com termos familiares e correspondentes aos chineses, criando uma expressão que, embora não fosse totalmente híbrida em sua linguagem, o era em sua composição de ideias.

Conclusão
Para Peter Burke a hibridização cultural seria a ideia de que encontros culturais levam a algum tipo de mistura. O produto híbrido que mais se destacou da interação cultural que houve entre Ocidente e Oriente na missão da China foi a própria figura de Confúcio e sua doutrina. Vimos na seção anterior o processo de re-contextualização pelo qual os missionários submeteram a figura de Kongzi, do homem sábio e símbolo de uma escola milenar que não era exclusivamente sua, o transformando em Confúcio, um filósofo e profeta de uma religião monoteísta a muito perdida. E ao atrelarem o ruísmo unicamente a Confúcio, ignorando as diferentes escolas e divergências filosóficas que existiam entre os ru, os jesuítas deram a “posse” desta escola de pensamento a Confúcio.

Foi dessa forma que Confúcio foi conhecido na Europa, influenciando pensadores como Gottfried Leibniz, Pierre Bayle, George Bilfinger e Voltaire [Meynard, 2015]. Porém, a figura de Confúcio, aquela dos jesuítas, acabou encontrando seu caminho de volta à China. Depois dos anos 1970, houve um ressurgimento da figura de Confúcio como o símbolo da cultura chinesa, com suas máximas espalhadas em vários tipos de propagandas, em documentários e pesquisas científicas como símbolo de nobreza de cultura antiga, seus clássicos receberam re-edições e sua figura faz parte não só da faceta religiosa da China, mas também de sua cultura popular. Institutos nomeados com a seu nome latinizado foram abertos ao redor do mundo pelo governo chinês [Jensen, 1997]. Os jesuítas descreveram Confúcio como um símbolo da China, que a própria China recebeu de volta, mantendo suas tradições e honrarias a Kongzi como patrono do ruísmo, e aceitando a faceta internacional de Confúcio, um símbolo da cultura chinesa e produto de um hibridismo e encontro cultural que aconteceu entre missionários jesuítas e a sociedade chinesa nos séculos XVI, XVII e XVIII.

Referências
Renan Morim Pastor, mestrando em história da UFRRJ.
E-mail: renanp8989@gmail.com

ASSUNÇÃO, P. Abrir as Portas de Pequim: Diego de Pantoja e a relação da entrada de alguns padres jesuítas na China. São Paulo: Clube dos Autores, 2015.
BURKE, P. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: Editora Unisinos. 2003.
FONTANA, M. Matteo Ricci: A Jesuit in the Ming Court. Maryland. Laham: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2011.
JENSEN, L.M. Manufacturing Confucianism: Chinese Traditions and Universal Civilization. Durham, North Carolina: Duke University Press, 1997.
MEYNARD, T. The Jesuit Reading of Confucius. The first complete translation of the Lunyu (1687) published in the West.Leiden, Boston: Brill 2015.
PROSPERI, A. O missionário. In VILLARI, R. O homem barroco. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
RICCI, M. e TRIGAULT, N. Istoria de la China I Cristiana empresa hecha em ella por la Compañia de Iesus. Sevilla: por Gabriel Ramos Veierano, 1621. Biblioteca da Universidade Complutense de Madrid.
RULE. P.A. K’ung Tzu or Confucius? The Jesuit Interpretation of Confucionism.Tese de Doutorado em Filosofia: Australian National University. Camberra. 1972.




6 comentários:

  1. Muito bom o texto.
    vimos que os jesuítas investiram em um longo processo de adaptação da imagem de Confúcio atribuindo valores semelhantes ao cristianismo em sua doutrina, sendo assim podemos dizer que o filósofo teria sido cristianizado pelos jesuítas. Dentro deste contexto ao resgatar a imagem de um filósofo clássico da China e torna-lo conhecido no ocidente percebemos que o ocidente na verdade conheceu uma visão cristianizada do filósofo, e ao resgatarem sua imagem, os próprios chineses o teriam reinventado segundo suas tradições baseadas nesse contexto jesuítico. Dessa forma, sobre diversas revisões, não estaria apresentada uma releitura moderna sobre Confúcio o afastando de sua ideia original?

    Afranio Junior de Melo Barros

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    1. Muito obrigado, Afranio.

      Apesar dos jesuítas terem interpretado Confúcio a partir de seu viés europeu, eu não sei se usaria o termo "cristianizado", pois seu objetivo era mostrar Confúcio como o representante de uma crença monoteísta na China antiga, de fato, mas eu enxergo os jesuítas tentando construir a imagem de Confúcio mais como um filósofo como os da Antiguidade Clássica (e de fato, Confúcio é comparado com vários deles em diversos momentos, inclusive por Ricci, que o compara a Séneca). Acredito sim, que Confúcio foi interpretado por um viés europeu, mas não teria como ser diferente, afinal, os jesuítas vieram da Europa, e esse foi o seu primeiro filtro. Sobre a segunda parte da questão, muito embora a China moderna tenha aceitado a faceta internacional de seu filósofo como representante de sua cultura, ele ainda continua sendo reverenciado como Kongzi em seu país, muito embora a China tenha também abraçado o conceito internacional da figura de Confúcio. Concordo com você, finalmente, sobre o afastamento da ideia original, mas acho também que acaba sendo um processo inevitável das interpretações e revisões, mesmo aquelas feitas na China, já que a filosofia de Confúcio foi examinada por comentadores diferentes ao longo do século e cada um tinha sua própria visão sobre os ensinamentos de Confúcio. No fim, a tendência é sempre que o produto alvo de qualquer revisão acabe se diferenciando daquilo que era originalmente.

      Renan Morim Pastor.

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  2. Excelente texto professor Renan,
    Considerando que à primeira vista, do século XVI ao XVII, a missão jesuíta concebeu o confucionismo como sistema filosófico, ético e moral e não como uma seita ou religião:
    O que explica a mudança interpretativa que se inicia no século XVIII com Dominicanos e Franciscanos, durante a chamada 'Controvérsia dos Ritos', quando se passa a desconsiderar os rituais, tão caros a sociedade chinesa,(desde a veneração ancestral das religiões tradicionais, até os tidos como seculares do confucionismo) como religião pagã?
    E até que ponto as filosofias chinesas, podem ser consideradas de natureza 'secular', tendo em vista que esse é um conceito ocidental não necessariamente 'transmissível' para o sistemas éticos chineses.
    Qual era portanto sua relação com a religião?
    O conceito de céu(Tian)confucionista, e o de caminho(Tao), com os quais a vida humana devia buscar o equilíbrio, devem ser considerados conceitos espirituais, no sentido religioso, ou meramente filosóficos,preceitos éticos?
    E finalmente, qual a origem da 'rivalidade' entre as escolas taoista e confucionista?
    *Sei que foram muitas perguntas e por isso se quiser indicar bibliografia ao invés uma resposta direta ficarei igualmente grata.

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    1. Obrigado pelo elogio ao texto, Pamella.

      Vamos por partes. Embora os jesuítas tenham enfatizado os aspectos filosófico, ético e moral do confucionismo, eles classificavam os letrados como fazendo parte de uma "seita" (Seita dos letrados, como Matteo Ricci se refere a eles) e atribuem a Confúcio a crença em Tian, ao paraíso, algo certamente que carrega uma carga religiosa. Ambiguidades a parte, podemos imaginar porque os jesuítas resolveram destacar os aspectos não-religiosos da filosofia de Confúcio, já que isso ajudava na integração de seu processo de acomodação.
      Dito isso, a posição dos missionários participantes da missão da China (A grande maioria, pelo menos) não muda com a Querela ou Controvérsia dos ritos. Como você mesmo destacou, as críticas vem de outras ordens religiosas, como Dominicanos e Franciscanos, acerca dos rituais que eram considerados e descritos como seculares pelos jesuítas. De fato, mesmo antes da Querela, as outras ordens religiosas e uma parte dos jesuítas no Japão já criticavam a permanência dos ritos e a indecisão sobre aquela que deveria ser a designação de Deus em chinês (Shangdi, Tianzhu), mesmo na época em que Ricci ainda estava vivo. Então, não houve uma mudança interpretativa no século XVIII, o que houve, de fato, foi que as críticas feitas à missão da China finalmente surtiram efeito na cúpula da Igreja, algo que os jesuítas da missão da China conseguiram contornar até aquela época, mas as críticas e a visão das outras ordens sobre o confucionismo já era a mesma antes do século XVIII, em termos gerais.
      Sobre a secularidade das filosofias chinesas, essa é uma questão que até hoje é debatida pela historiografia, principalmente no que tange o confucionismo (o budismo se encaixa nos conceitos ocidentais daquilo que se classifica como religião até com certa facilidade) e mesmo conceitos como tian (o paraíso, seja ele metafísico ou simplesmente o céu onde ocorrem fenômenos meteorológicos) e o tao (o caminho da perfeição e equilíbrio perseguido por confucionistas e taoístas) podem ser espirituais ou filosóficos dependendo do viés de quem os analisa. De fato, a minha pesquisa é focada na interpretação jesuíta do confucionismo, onde nela tian seria um conceito ligado ao espiritual e religioso, enquanto o tao seria um preceito ético. Mas como mencionei anteriormente, a interpretação destes conceitos depende do filtro de quem o pesquisa ou de quem os interpreta, e no meu caso são os jesuítas da missão da China. Qualquer outra interpretação destes termos por outras pessoas, ou até mesmo escolas de pensamento chinês daria um trabalho por si só, com resultados diferentes.
      Por fim, sobre a origem da rivalidade entre as escolas taoista e confucionista, receio não poder ajudar, pois a história milenar em si, destas escolas não se enquadra dentro do escopo desta pesquisa. O que posso dizer, é que durante o fim da Dinastia Ming e início da Dinastia Qing, foi um período de declínio e perda de poder do taoísmo dentro da sociedade chinesa, onde uma boa parte de sua participação social consistia na composição de músicas e cânticos, e na participação nos rituais públicos, enquanto o confucionismo era seguido pela grande maioria dos funcionários de Estado (mandarins, como chamados pelos europeus) e textos do cânon confuciano eram usados nas provas de concursos para cargos públicos, o que denotava o momento de protagonismo da filosofia confuciana dentre os setores mais influentes da sociedade chinesa.

      Espero ter ajudado com suas dúvidas. Com relação a bibliografia, acho que minha melhor indicação, caso você tenha um bom conhecimento da língua inglesa, é a Encyclopedia of Religion, editada pela Lindsey Jones. O Volume 3 desta coleção tem dois verbetes escritos pelo Joseh Adler e o David Nivison que explicam com detalhes o impacto social do confucionismo, budismo e taoísmo na sociedade chinesa.

      Espero ter ajudado com algumas de suas dúvidas, Pamela.

      Att

      Renan Morim Pastor

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  3. Olá, Renan. Gostei muito do seu texto, achei a abordagem excelente e meu deu várias ideias (e referências) para a minha pesquisa. Acredito que as pesquisas focaram muito em como os europeus atuaram na Ásia e suas adaptações e impressões, mas pouco se fala do que trouxeram de lá e como isso se difundiu. Você cita brevemente o Japão e como ele serviu de modelo; no período abordado, o país passava por um momento delicado de disputas por poder, você acredita que isso teria influenciado na interpretação dos jesuítas e na definição de suas estratégias? Como isso se daria na China, qual seu contexto político? Fiquei pensando também que no Japão havia uma mistura, também em disputa, entre budismo e shintoísmo, na China a predominância foi do Confucionismo? Como se deu essa relação com outras religiões? Confucionismo e budismo são as vertentes mais conhecidas, então fico curiosa para saber sobre as interações com outras menos conhecidas.
    Obrigada!
    Letícia Takahashi Hokari

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    1. Olá Leticia. Muito obrigado pelos elogios e eu realmente espero que meu texto possa te ajudar com a sua pesquisa de fato. É muito bom ver o interesse na área crescendo.
      A missão do Japão certamente foi fonte de inspiração para o método jesuíta de acomodação no início da missão, devido a experiência de Valignano lá. Quando Ricci desiste da ideia de acomodação pelos termos budistas, porém, a conexão com a missão japonesa basicamente diminui muito. A situação na China era bem diferente no sentido da posição do budismo em relação as classes letradas de elite. Mas sim, houve uma influência vinda da missão do Japão, mas apenas no começo.
      Sobre a segunda pergunta, a predominância do confucionismo se dava entre as elites letradas que trabalhavam como funcionários de Estado, os mandarins. Nas camadas mais populares, havia uma grande quantidade de budistas, alguns taoístas e muitas pessoas que seguiam as "folk religions", que basicamente se dava por fragmentos de várias religiões numa forma popular, além de alguns poucos letrados que seguiam os preceitos das "Três Doutrinas", uma versão mais filosófica das folk religions, obviamente algo que os jesuítas não viam com bons olhos. Finalmente, havia muito conflito entre confucionistas e budistas, devido ao momento complicado politicamente, que a China vivia no fim da Dinastia Ming, e os jesuítas se aproveitaram para "surfar" na onda de críticas que os letrados confucianos faziam ao budismo, apresentando sua doutrina em termos confucianos e também antagonizando o budismo.

      Espero ter ajudado.

      Att

      Renan Morim Pastor

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