Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

OS PROCESSOS MIGRATÓRIOS JAPONESES ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX


O Japão passava por um momento de profundas mudanças internas na segunda metade do século XIX, mais especificamente a partir do ano 1868, e isso é fundamental para entendermos o porquê do início de uma intensa e variada onda emigratória e imigratória que mobilizou o país nesta época e adentrou no século seguinte.

A Restauração Meiji e as mudanças internas
O ano de 1868 deu início ao período conhecido como Restauração ‘Meiji’, ou Era ‘Meiji’, que consistia numa tentativa do país em se adequar ao mercado capitalista externo após a abertura do Japão, econômica e culturalmente falando, ao Ocidente. Após passar séculos sob o domínio do ‘shogunato Tokugawa’, o país já vinha enfrentando mudanças internas. Mas, após a chegada da esquadra norte-americana, liderada pelo comodoro ‘Perry’, em uma clara investida imperialista nos anos de 1853 e 1854, este processo foi acelerado e passou a ditar o ritmo da vida daí em diante.

Imperialismo, de acordo com Edward Said, “significa pensar, colonizar, controlar terras que não são nossas, que estão distantes, que são possuídas e habitadas por outros.” (SAID, 2011, p. 39).Já Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva dizem que ele é um conjunto de “práticas militares e culturais desenvolvidas por potências para exercer domínio sobre outros Estados, politicamente independentes.” (SILVA & SILVA, 2009, p. 218).

O fato de os Estados Unidos da América terem tomado a iniciativa de pressionar o Japão a abrir seus portos e relações com o Ocidente fazia parte de um grande projeto imperialista seu. Este já estava em prática em outras regiões do mundo, e o Japão era o passo seguinte a ser tomado.Sobre a experiência imperialista norte-americana, Said diz:

“A experiência americana, como mostra Richard van Alstyne em The rising American empire [O nascente império americano], desde o início se fundou na ideia de “um imperium – um domínio, Estado ou soberania que se expandiria em população e território, e aumentaria em força e poder”. Era preciso reivindicar e lutar pela anexação de novas áreas ao território norte-americano (o que foi feito com um êxito assombroso); havia povos nativos a dominar, exterminar e expulsar; depois, conforme a república ia envelhecendo e se ampliava seu poderio no hemisfério, havia terras distantes a considerar como vitais para os interesses americanos, objeto de intervenções e disputas – por exemplo, Filipinas, Caribe, América Central, o litoral norte da África, partes da Europa e do Oriente Médio, Vietnã, Coreia.” (SAID, 2011, p. 41). 

Foi de acordo com esta perspectiva de dominação por parte dos norte-americanos que Henshall entra em detalhes sobre a chegada do comodoro Perry em solo japonês:

“A questão atingiu o auge com a visita, em julho de 1853, do comodoro norte-americano Matthew Perry (1794-1858), que entrou na baía de Edo com quatro navios a vapor. Perry tinha ordens oficiais para pedir três coisas: tratamento mais humano para os náufragos, a abertura dos portos para o aprovisionamento e fornecimento de combustível e uma idêntica abertura ao comércio. Era um homem determinado, disposto a usar força, se necessário fosse, e teve o cuidado de se certificar de que os Japoneses estavam cientes da sua determinação e do potencial do seu armamento, tendo-lhes mesmo oferecido bandeiras brancas para facilitar a sua rendição. Depois de os presentear também com uma carta do Presidente americano para o Imperador do Japão, zarpou com a promessa de voltar no ano seguinte para uma resposta. [...] Quando Perry regressou, em fevereiro de 1854, com uma frota maior de nove navios, o xogunato concordou com o tratado.” (HENSHALL, 2014, p. 96).

No que tange a estrutura política, foi neste momento que o poder, de forma simbólica, realocou-se nas mãos do imperador, quando “Uma aliança de domínios ‘tozama’, liderada por ‘Satsuma’ e ‘Choshu’ e auxiliada por ‘Iwakura Tomomi’ (1825-1883), um nobre da corte com ligações a Choshu, conseguiu obter um rescrito imperial apelando à abolição do shogunato.” (HENSHALL, 2014, p. 98).

O Japão possuía, durante o shogunato Tokugawa, uma economia fundamentalmente agrária, onde os senhores grandes proprietários de terra, os ‘daimyos’, controlavam as ações. Este modelo econômico e social é apontado, por diversas vezes, como uma estrutura feudal, a exemplo de Henshall: “Era um sistema feudal e (...) o Japão possuía uma base comum com o mundo ocidental medieval” (HENSHALL, 2014, p. 54).

Sobre “feudalismo”, Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva definem como um “sistema político, econômico e social da Europa medieval.” (SILVA & SILVA, 2009, p. 150), e, de uma forma mais aprofundada:

“(...) o modelo de Feudalismo clássico foi construído a partir da Europa ocidental, principalmente da França. O termo em si não é contemporâneo ao período que representa, pois só foi elaborado no século XVII. Mas o mundo medieval conhecia a palavra feudo, usada para nomear a posse e usufruto de uma parcela do patrimônio fundiário do rei.”  (SILVA & SILVA, 2009, p. 150).

Mas, apesar das proximidades encontradas, o período que antecede o shogunato Tokugawa e o próprio trata-se de algo bem particular do Japão. No máximo, guarda algumas semelhanças que fazem referência à estrutura que se consolidou na Europa após a queda do Império Romano.Sobre isso, Henshall diz:

No entanto, o feudalismo no Japão era diferente, porque operava através da administração civil central tradicional. A relação senhor-vassalo era também muito mais pessoal do que no Ocidente, onde era mais frequente um tipo de relação contratual. No Japão, era mais paternalista e de natureza quase familiar e alguns dos termos usados para “senhor” e “vassalo” eram “pai” (oya) e “filho” (ko), respectivamente. (HENSHALL, 2014, p. 54).

Durante a Era Meiji, a sociedade japonesa sofreu profundas rupturas, mas vale salientar que este período não se configurava como uma revolução, e sim num momento de mudanças rápidas e incisivas, contudo, sem substituir as estruturas, somente as adaptando para a chegada do novo momento que o Japão estava prestes a vivenciar. Henshall reforça este ponto de vista de Sakurai quando diz que “[...] ao longo do tempo, aconteceram transformações internas importantes, apesar do ideal de manutenção do statu quo.” (HENSHALL, 2014, p. 99).

Uma das mudanças estabelecidas no Japão durante a Restauração Meiji se deu sobre o modo de vida da população do campo. Os ‘daimyos’ possuíam grandes propriedades rurais, os ‘hans’, e neles viviam várias famílias de camponeses, que deviam obediência e o pagamento de obrigações àqueles. Com o início da Restauração Meiji, as relações de trabalho, assim como as sociais, passaram por drásticas reformulações, onde o camponês subordinado ao ‘daimyo’se transforma num trabalhador livre para vender a sua força de trabalho e com a obrigação de pagar impostos ao governo.

Dessa forma, as famílias camponesas rompiam os laços de séculos com os seus senhores, se transformavam em trabalhadores assalariados e perdiam a referência das terras dos ‘daimyos’, devendo adquirir as suas próprias. Estas transformações foram particularmente mais danosas para aqueles que pouco ou nada possuíam, no caso os próprios camponeses. Estes, por sua vez, acabaram se vendo forçados a trabalhar em terras arrendadas por capitalistas que compraram grandes lotes para lucrar com a necessidade dos trabalhadores rurais em arranjar com urgência uma forma de sustento. (SAKURAI, 2008, p. 236).

A migração como solução
É aí que surge o ponto chave para a emigração. Ao levar em consideração este conturbado contexto, podemos vislumbrar o crescimento desta possibilidade como sendo uma salvação para os japoneses em busca de um futuro melhor para as suas famílias. Seja por iniciativa própria ou estatal, os japoneses deram início a intensos fluxos emigratórios dentro e fora de seu país. Podemos dividir estes fluxos em três grandes fases: a primeira, que foi um momento onde os japoneses se deslocaram dentro de seu próprio país; a segunda, onde eles buscaram melhores oportunidades nos territórios recém-conquistados pelo império japonês em suas guerras expansionistas; e, por último, a fase em que a emigração atingiu o seu ápice, que foi o momento do deslocamento dos japoneses para outros países com os quais o Japão possuía acordos comerciais.

Na primeira fase, os japoneses buscaram novas formas de sobrevivência na recém-chegada Era Meiji, e uma delas foi o desmembramento das suas famílias, enviando seus filhos para as cidades em busca de empregos melhores. Nesta fase, como foi discorrido anteriormente, os camponeses sofreram ao serem forçados a adaptar-se a novas formas de trabalho, arrendando terras de oportunos empresários que as compraram por preços irrisórios visando o surgimento deste contexto no andar das transformações da Era Meiji. O êxodo rural foi uma constante, e os filhos dos camponeses se viram obrigados a buscar trabalho nos centros urbanos, principalmente nos setores industrial e de serviços.

O governo interferiu, visando dar mais oportunidades a estas pessoas que foram nitidamente prejudicadas no processo de modernização do país. Para tanto, ele organizou o deslocamento de milhares de camponeses para a fria ilha de ‘Hokkaido’, localizada no extremo norte do arquipélago japonês, com o intuito não só de amenizar o impacto da Restauração Meiji na vida das pessoas mais pobres, mas também de povoar a ilha.

Dessa forma, o governo japonês pretendeu resolver dois problemas de uma só vez. Com isso, o povoamento da ilha foi reforçado, que passou a ser uma área mais produtiva, além de ter erguidas em seu solo bases militares a fim de garantir a soberania do país frente a possíveis invasões. Justamente neste momento, a expansão territorial ditava o ritmo da política mundial, que era mais uma das facetas do imperialismo – vigente à época. Era importante não só conquistar novos territórios, mas mantê-los, assim como o seu próprio “centro metropolitano” (SAID, 2011, p. 40). Esta importância da manutenção da estrutura imperialista é citada por Said quando ele menciona Michael Doyle: “(...) O imperialismo é simplesmente o processo ou a política de estabelecer ou manter um império”. (In: SAID, 2011, p. 42).

No segundo momento, houve um grande fluxo de pessoas para os países próximos recém-conquistados pelo exército imperial japonês, como a Coréia, Taiwan, antigas posses alemãs no Pacífico, Manchúria e a China, posteriormente. Nesta fase, além de tentar resolver o problema da baixa qualidade de vida dos mais pobres, o governo japonês pretendeu também amenizar os problemas decorrentes do grande contingente populacional em seu arquipélago.

Com isso, além dos soldados que desembarcaram nestas regiões pretendendo manter a autoridade japonesa pela força, chegaram também milhares de colonos em busca de novas oportunidades e que, concomitantemente, implementaram ideologicamente a presença do império nipônico. Sobre isso, Sakurai diz:

“A ideia do governo é transferir para os territórios conquistados a mesma estrutura administrativa existente no Japão, a começar pelas escolas e por órgãos de controle como a Polícia e as Forças Armadas. Para a manutenção de toda a estrutura nas colônias do Império Japonês, é preciso reforço ideológico: o culto ao imperador é a regra inicial.” (SAKURAI, 2008, p. 236-237).

Além disto, haviam os contratos temporários oferecidos pelo governo aos japoneses dispostos a trabalhar nestes territórios. Depois de realizadas as suas tarefas, retornavam ao Japão com o suficiente para garantir o sustento de suas famílias, que ficavam no aguardo de seu retorno e na expectativa do sucesso da empreitada. (SAKURAI, 2008, p. 237).

A terceira grande fase da emigração japonesa é a etapa internacional, mas para países além do Império Japonês. Devemos designá-la assim para diferenciá-la da segunda, onde em sua maioria os japoneses migraram para suas mais novas possessões territoriais. Aqui, os nipônicos decidiram se aventurar em países independentes que possuíam acordos comerciais pré-estabelecidos com o governo japonês.

Primeiramente, os japoneses se aventuraram na América do Norte, mais precisamente no Havaí, Estados Unidos e Canadá. No primeiro caso, até obtiveram relativo sucesso no cultivo de café, porém sem outras grandes perspectivas. Por conta disso, passaram a visualizar os EUA e o Canadá como uma opção mais proveitosa, mudando o roteiro emigratório a partir de então.

Devido a grande quantidade de imigrantes japoneses desembarcando no seu território e o crescente preconceito étnico decorrente disto, o governo norte-americano decidiu proibir a entrada dos nipônicos através de um acordo feito no ano de 1907, o ‘Gentlemen’s Agreement’ (Acordo de Cavalheiros) (SAKURAI, 2008, p. 239). Antes disto, já havia uma onda de xenofobia contra os japoneses por parte dos norte-americanos e, após a assinatura deste acordo, a situação piorou. Já em 1924, foi assinada uma lei que proibia de vez a imigração de qualquer asiático nos Estados Unidos como um todo. Durante a Segunda Guerra Mundial, esta situação piorou ainda mais com o governo e a sociedade encarando os japoneses como inimigos de estado, muito por conta do ataque à base naval norte-americana de ‘Pearl Harbor’, localizada no Havaí. Este fato desencadeou a entrada dos Estados Unidos na guerra e causou um racha na relação dos dois países naquele momento.
Os japoneses também se aventuraram na América Latina, principalmente no México, Paraguai, Bolívia, Argentina, Chile e Uruguai, mas foi no Peru e no Brasil que eles imigraram em maior quantidade. Os imigrantes encontraram no Peru as mesmas dificuldades que nos EUA, como proibição da imigração quando esta alcançou grandes índices e hostilidade durante a Segunda Guerra, mas a sua presença se faz muito maior naquele do que neste último.

Esperanças depositadas no Brasil
Mas, ao falar de imigração japonesa, é impossível não mencionar o Brasil, país que foi o último destino dos nipônicos, porém o principal. Durante todo o período imigratório mais ativo, entre 1908 e o final da década de 1970, desembarcaram em terras brasileiras cerca de 250 mil japoneses (SAKURAI, 2008, p. 244). Além de ser o destino mais privilegiado com a chegada de colonos nipônicos, foi também o mais diferenciado, pois, ao contrário dos destinos anteriores, no Brasil desembarcavam famílias inteiras, evitando a necessidade de os imigrantes passarem por dificuldades na nova terra para encontrarem esposas e formarem laços. (SAKURAI, 2008, p. 244).

Se, por um lado, esta característica facilitou o convívio entre os próprios imigrantes, distanciou-os ainda mais dos brasileiros. Como aqueles pretendiam inicialmente economizar os seus ganhos para voltar ao Japão em melhores condições financeiras, Butsugan diz: “O estreitamento das relações sociais com outros grupos étnicos era absolutamente dispensável neste tipo de situação, uma vez que comprometia ao propósito de conservação do espírito japonês no seio do seu grupo étnico.” (In: SAITO, 1980, p. 106).

Este modelo de imigração japonesa aplicado majoritariamente no Brasil – o das famílias nucleares – favoreceu uma rede de sociabilidade chamada de “associação”. Elas estavam presentes onde havia colonos japoneses estabelecidos em considerável quantidade. Sobre as associações e a sua importância para a integração das comunidades japonesas no Brasil, Sakurai diz:

“As associações japonesas foram os centros de referência para todas as comunidades japonesas no Brasil e continuam a ser até hoje. Nas cidades e até em bairros onde há alguma concentração dessas famílias, há associações de cunho esportivo e escola de língua japonesa.”(SAKURAI, 2008, p. 255).

Em um segundo momento (entre as décadas de 1950 e 1965), quando os japoneses mudam esta sua postura e passam a aceitar o Brasil como sua segunda nação (eles deixaram de vislumbrar uma rápida volta ao Japão como única saída possível) ela “cria condições para a aceitação de possíveis ligações com outros grupos étnicos, apesar de relutantemente.” (In: SAITO, 1980, p. 106).

Outro fator singular na imigração nipônica no Brasil foi o fato de que para cá vieram japoneses de todas as regiões do Japão, enquanto nos Estados Unidos e no Peru predominaram os vindos das províncias de Kyushu e Okinawa.

Os primeiros imigrantes japoneses (em fluxo contínuo) chegaram ao Brasil no ano de 1908 embarcados no navio chamado ‘Kasato Maru’. Este veio do porto de ‘Kobe’, no Japão, e com os imigrantes fazendo parte de uma experiência bancada pelos fazendeiros de café do estado de São Paulo. (SAKURAI, 2008, p. 245). Antes disso, alguns imigrantes já tinham vindo para cá se aventurar, mas este grupo foi o primeiro oficial dentro da política de imigração e utilizando da prerrogativa do acordo comercial assinado entre o Brasil e o Japão em 1895. A leva de imigrantes em questão continha 165 famílias, abrangendo 781 imigrantes contratados e mais 12 livres. (SAITO, 1966, p. 21-38 apud VALENTE, 1978, p. 24).

Segundo Sakurai, “Brasil e Japão tinham um tratado de comércio assinado desde 1895 e era necessário ativá-lo com alguma atividade que fosse do interesse de ambos os países.” (SAKURAI, 2008, p. 245). Tal tratado completou 120 anos de existência no ano de 2015.

O acordo acabou servindo como uma via de mão dupla, onde os cafeicultores pretendiam se inserir no mercado japonês com a venda de seu principal produto e o governo do Japão na mesma política de desafogar a avantajada densidade demográfica. Além disso, planejava amenizar os males causados pela Restauração Meiji e as más condições de vida provenientes de sua chegada.

O Brasil, como dito anteriormente, foi somente o último grande destino dos imigrantes japoneses, que antes tinham nos Estados Unidos a alternativa de maior apelo. Porém, com o ‘Gentlemen’s Agreement’ (1907) e, posteriormente, a proibição definitiva da entrada dos nipônicos no país norte-americano (1924), passou a ser muito mais procurado do que era antes. Para a maioria dos japoneses do início do século XX, a localização geográfica do Brasil não era nem conhecida, mas a forte e eficiente propaganda governamental japonesa foi fundamental neste momento.

Após os fracassos emigratórios para o Havaí e Estados Unidos, o governo japonês não poderia deixar passar a oportunidade da empreitada brasileira. Para tanto, como diz Magalhães, “as agências de emigração tiveram um papel importante em fomentar a ideia de que o Brasil seria um lugar ideal para a concretização do sonho de fazer riqueza e voltar ao Japão rapidamente.” (In CARNEIRO, M. L. T. & TAKEUCHI, M. Y., orgs., 2010, p. 344).

Além da ação destas agências, a mídia impressa também foi muito importante, com o jornal ‘Yomiuri Shinbum’ publicando vários artigos enfáticos sobre a possibilidade de enriquecer e buscar nova vida no Brasil, como “O Plano de Emigração para o Brasil” (1896), “A Nova Colônia” (1908) e o “Paraíso do Mundo Atual” (1908). (MAGALHÃES, 2010, 344).

Esta propaganda era parte integrante da política de imigração do governo japonês e se mostrava extremamente vantajosa, pois estimulava os japoneses mais carentes, sobretudo camponeses, a largarem tudo para recomeçarem em um país do outro lado do mundo. Além disso, se configurava como um interessante aliado comercial. Enquanto as primeiras viagens eram subsidiadas pelos cafeicultores brasileiros interessados em uma mão de obra barata e qualificada, em um segundo momento elas foram bancadas totalmente pelo governo japonês como forma de não retrair os fluxos imigratórios após a censura feita pelos Estados Unidos.

Vale salientar o fato de que o governo japonês possuía políticas públicas de imigração, acordos de amizades firmados e até bancava algumas despesas de seus cidadãos que iam se aventurar no Brasil e em outras partes do mundo, mas não dava toda a assistência necessária para se encarar uma realidade completamente diferente da sua, dando a estes sujeitos caráter de “aventureiro”, como diz Valente:

“Nos começos, o imigrante era um aventureiro. Um quase-herói capaz de servir de modelo à fantasia de certos novelistas. Por esse tempo, a imigração resultava, de modo exclusivo, das forças de expulsão, representadas principalmente pelo fator econômico. É o que acontecia, por exemplo, com países de grande densidade demográfica, as voltas com sérios problemas econômicos e sociais, fixados na exiguidade do chamado “espaço vital”. Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, para lembrar apenas países europeus, estavam neste caso. Fenômeno semelhante ocorreria também com o Japão, em certa época, com o agravante da ostensiva falta de mercado de trabalho.” (VALENTE, 1978, p. 5). 

Além disto, era feito sem um prévio planejamento consistente, causando inúmeros contratempos, imprevistos e dificuldades no cotidiano dos imigrantes, pois “o processo de imigração se fazia sem disciplina de espécie alguma. Era processo desordenado e caótico. Não se preocupava sequer conhecer as exatas dimensões do problema.” (VALENTE, 1978, p. 6).

De todo modo, como forma de consolidar a sua política imigratória no Brasil, o governo japonês buscou de início nos cafezais, principalmente nos de São Paulo, o alicerce de toda a sua ação, visto que eles desejavam ter em mãos um trunfo que possuísse um grande poder de apelo na sua campanha midiática pró-imigração. Isso só foi possível graças ao crescimento da economia do estado de São Paulo e de sua importância política no país, que se refletia na criação e reformulação de infraestruturas que davam condições para tanto, como foi no caso do porto de Santos (fundamental para a chegada da primeira leva de japoneses, além da maior parte do volume dos imigrantes japoneses e de outras nacionalidades).A maior parte do imigrante japonês, de fato, se deslocava para São Paulo, como reforça Valente:

“São Paulo absorvia a quase totalidade da mão de obra nipônica no Brasil. Teicultura, cultura do café e cotonicultura tiveram no japonês excelente força de trabalho. Isto para não falar na sericultura. São Paulo oferecera condições favoráveis, de base agrícola, ao desenvolvimento econômico, sobretudo contando com mão de obra de qualidade, como era a japonesa. Cerca de 75% do japonês no Brasil se encontra no estado paulista.” (VALENTE, 1978, p. 35). 

Referências
Ronaldo Sobreira de Lima Júnior é professor efetivo de História e História da Cultura na Prefeitura da Vitória de Santo Antão-PE, graduado em Licenciatura e em Bacharelado em História-UFPE e especialista em História do Nordeste do Brasil-UNICAP.
E-mail: ronijr07@hotmail.com

CARNEIRO, M. L. T. & TAKEUCHI, M. Y. (orgs.).Imigrantes Japoneses no Brasil: Trajetória, Imaginário e Memória. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
HENSHALL, K. G. História do Japão. 2ª ed. Lisboa: Edições 70, 2008.
SAID, E. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SAITO, H. (org.). A presença japonesa no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1980.
SAKURAI, C. Os japoneses. 1. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008.
SILVA, K. V. & SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. 2. ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.
VALENTE, W. O Japonês no Nordeste Agrário: Aspectos Sócio-Culturais e Antropológicos. Recife: MEC – Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1978.


22 comentários:

  1. Oi Ronaldo. Excelente texto, parabéns! A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial contra os países do Eixo teve que impacto sobre o processo migratório japonês para o país e dentro das relações internas dos imigrantes e dos brasileiros? Obrigado! Abraço!

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    1. Olá, Maicon. Muito obrigado, fico feliz que tenha gostado do trabalho. Os imigrantes japoneses começaram a sofrer restrições em seu movimento migratório bem antes da entrada oficial do Brasil na Segunda Guerra. Em 1934, a Constituição Brasileira restringia a livre entrada dos japoneses em solo brasileiro, estabelecendo cotas para que elas acontecessem. Com a declaração de guerra feita pelo Brasil ao Eixo em 1942, houveram prisões de japoneses e descendentes, exigência de salvo-condutos para o deslocamento de grandes distâncias feito por eles, proibição do uso e do ensino da língua japonesa, proibição de reunião de qualquer natureza e atividades em grupo, além de confinamentos dos imigrantes dentro de suas próprias colônias (como aconteceu em Tomé-Açu, no Pará). Foram momentos de tensão entre as partes, mas, apesar de tudo, não geraram feridas muito profundas e, com o término da guerra, as relações foram gradativamente restabelecidas. Abraço.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  2. Olá, Profº Ronaldo. Muito interessante seu trabalho. Achei-o bastante esclarecedor. Ao longo da leitura, porém, surgiram-me dúvidas. As quais, em partes, foram-se aclarando no decorrer do próprio estudo. Contudo, algumas permanecem.
    Sobre as propagandas estatais de incentivo à emigração, o Sr. dispõe de mais detalhes a respeito delas?
    A principal questão aqui é: as propagandas de emigração desenvolvidas pelo governo japonês tiveram caráter semelhante ou distinto daquelas feitas por alguns Estados europeus, onde as terras brasileiras eram idealizadas como locais repletos de oportunidades (solos férteis, sobretudo) para o angariamento de riquezas materiais?
    Caso o senhor saiba de algum trabalho em que sejam analisadas essas propagandas (sejam elas no idioma japonês ou não) e quiser compartilhar, eu ficaria muito grato.
    Obrigado pela atenção!

    João Antonio Machado

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    1. Olá, João. Fico muito feliz que tenha se interessado pelo trabalho. Agradeço a sua atenção. Sim, as propagandas japonesas se assemelhavam àquelas feitas por alguns países europeus, onde o Brasil era tratado como uma ótima alternativa para os seus grandes problemas internos, como crise econômica e populacional. Célia Sakurai, grande especialista em imigração japonesa no Brasil, disse que, nas propagandas estatais feitas no Japão, o Brasil era tratado como um "local de muita terra em que as pessoas só precisam estender os braços para achar o que comer (SAKURAI, 2008). Mas um trabalho que recomendo e que dá mais detalhes destas propagandas é o artigo de Fernanda Torres Magalhães, chamado "Burajiru e Ikimashô: Vamos para o Brasil!", encontrado no livro "Imigrantes Japoneses no Brasil: Trajetória, Imaginário e Memória", o qual cito nas minhas referências deste atual artigo. Abraço.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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    2. Obrigado pela resposta e pela atenção.
      Abraço. Até o evento do ano que vem!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá, professor! Obrigada pelo texto, muito interessante! Gostaria de saber quais fatores além da pressão imperialista norte-americana ocasionaram a transição para a restauração Meiji. Obrigada!


    Flavia Cavalcanti da Silva Villa Lobos

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    1. Olá, Flávia. O seu interesse pelo trabalho me deixa muito satisfeito. Dentre os principais fatores que levaram à Restauração Meiji, além da já citada ameaça imperialista norte-americana (a qual já é discutida no artigo), podemos destacar o fortalecimento da atividade mercantil, dando origem a um forte segmento burguês, e o enfraquecimento da outrora poderosíssima classe dos samurais. Houve também uma promoção dos ideais confucionistas, que eram muito úteis para a manutenção do status quo, e o fortalecimento de um sentimento nacionalista. Tudo isto colaborou para a derrubada do já combalido sistema de shogunato.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  5. Gostei bastante do texto, porém fiquei com uma dúvida.
    Houve durante o governo de Dom João IV diversos chineses foram trazidos de Macau para trabalhar na plantação de Chá Preto, porém os mesmos não se adaptaram a plantação e cultivo do mesmo,assim como a planta era de difícil cultivo em terras brasileiras. De que forma os Japoneses conseguiram se adaptar ao cultivo de café, cultura que acredito eu era alheia a eles na época?
    Davi Santos Rocha

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    1. Olá, Davi. Que bom que gostou do trabalho, fico muito feliz. Os japoneses vieram ao Brasil para trabalhar nas lavouras de café, sobretudo no interior paulista, mas não tinham nenhum conhecimento a respeito desta cultura. As propagandas estatais japonesas se concentravam em passar a imagem de “Terra das Oportunidades” ao tratar do Brasil, mas sem entrar em detalhes da realidade do nosso país. Quando os japoneses aqui chegaram, tiveram que lidar com uma grande decepção em relação a vários fatores, como a má infraestrutura, os costumes locais completamente diferentes dos seus, as injustiças dos patrões e, especificamente o que você mencionou, o fato de não estarem habituados ao plantio e colheita do café. Tiveram muita dificuldade em superar estes elementos, mas o famoso espírito determinado japonês foi fundamental nesta etapa. Muitos deles queriam enriquecer rapidamente no Brasil e voltar para o Japão. Como viram que não era possível, devido ao alto endividamento com o cafeicultor que bancou a viagem, eles se concentravam em economizar para sair da fazenda e iniciarem sua própria lavoura. Muitos simplesmente fugiram de suas fazendas, mas vários saíram pela porta da frente para iniciarem a sua vida no Brasil sem depender de patrões abusivos. Eles aprendiam as atividades da lavoura cafeeira com os instrutores e imigrantes de outras nacionalidades, mas podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que a determinação japonesa estabelecida culturalmente em seu país, e a vontade de livrar-se daqueles grilhões modernos fez com que o japonês buscasse forças nesta situação atribulada.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  6. Olá, primeiramente gostaria de te parabenizar pelo texto. É realmente inspirador ler trabalhos sobre imigração sendo que venho pesquisando sobre isso no meu trabalho de conclusão de curso, mesmo sendo a imigração japonesa mais local. Todo caso, a minha pergunta é: É possível fazer um paralelo direto com o momento pós-abolicionista da República do inicio do século 20 afim de trazer mão de obra barata, sendo que muitos imigrantes japoneses passaram paulatinamente (durante algumas décadas) a virem para o Brasil?

    Outra questão, poderia me indicar alguma bibliografias? Venho procurando sobre, mas é difícil filtrar, pois há muita coisa já escrita sobre a temática.

    Aguardo resposta!

    Breadelyn Corrêa Pires

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    1. Olá, Breadelyn. Fico feliz ao ver que se identificou tanto com o trabalho. Sobre a sua pergunta, sim, é possível traçarmos um paralelo entre o fluxo imigratório japonês e o momento pós-abolicionista. A partir da proibição do tráfico negreiro em 1850 com a Lei Eusébio de Queiroz, houve uma grande preocupação com a oferta de mão de obra, visto que ela era formada em quase sua totalidade por escravos. A partir deste momento, a política imigratória brasileira concentra-se a buscar mão de obra para as lavouras, principalmente as cafeeiras. Após a Abolição da Escravidão em 1888, os imigrantes entraram no país exclusivamente para suprir as necessidades desta lavoura específica. Os italianos eram a maioria deste contingente, e foi nesta época que se deu início à imigração japonesa (1908). Foi nesta fase pós-abolição também que a estratégia de imigração espontânea, onde o imigrante estabelecia-se na atividade que desejasse, foi substituída pela imigração dirigida, a qual o governo brasileiro buscava trabalhadores para a lavoura cafeeira, pagando toda a sua vinda e estabelecimento no país para viabilizar a grande demanda desta atividade. Sobre indicações de bibliografia a respeito da imigração japonesa no Brasil, seguem algumas: “Imigrantes Japoneses no Brasil: Trajetória, Imaginário e Memória”, de Carneiro e Takeuchi; “Cem anos da imigração japonesa: história, memória e arte”, de Hashimoto, Tanno e Okamoto; “Imigração japonesa na história contemporânea do Brasil”, de Arlinda Rocha Nogueira; “Assimilação e integração dos japoneses no Brasil”, de Saito e Maeyama; “Imigração tutelada: os japoneses no Brasil”, tese da grande Célia Sakurai; e “A presença japonesa no Brasil”, de Hiroshi Saito. São algumas boas sugestões sobre o tema feitas por grandes especialistas na área.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  7. Olá, Ronaldo. O Brasil é o país que mais concentra japoneses fora do Japão, diante de décadas de imigração, gostaria de saber como você pensa as contribuições que estes imigrantes trouxeram para a sociedade brasileira. E outra, em algum momento dessa história de imigrações, houve processo de retorno para o Japão?

    Nathan Henrique da Silva Lermen

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    1. Olá, Nathan. Eu tenho trabalhos que falam a respeito destas contribuições que os japoneses deixaram para a formação cultural do Brasil, mas pretendo me aprofundar nestas questões em outros trabalhos futuros. Basicamente devemos muito a eles em algumas áreas, e uma das maiores é em relação a inserção de novas culturas de frutas e hortaliças no campo. Podemos destacar também os bens culturais consumidos em larga escala, sobretudo nas grandes cidades brasileiras, como filmes, quadrinhos (mangas), desenhos animados (animes), artes marciais (karate), culinária (sushi), dentre outros. Houve movimentos de retorno de imigrantes para o Japão sim, mas em quantidade muito pequena e em épocas distintas. Não configurou-se um grande movimento de retorno programado e sólido.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  8. Olá, Ronaldo. Bela reflexão sobre as questões da imigração japonesa.
    Ao meio de seu texto, você afirma que "Outro fator singular na imigração nipônica no Brasil foi o fato de que para cá vieram japoneses de todas as regiões do Japão, enquanto nos Estados Unidos e no Peru predominaram os vindos das províncias de Kyushu e Okinawa". Mas não há referências. Poderia me confirmar de onde tirou essa afirmação?
    Tenho pesquisado sobre a imigração japonesa em Mato Grosso do Sul e justamente essa informação me falta em meu trabalho. Poderia me Passar a referência?
    Outra coisa, ao final do seu texto, você não aprofunda muito sobre a chegada dos japoneses em São Paulo. Sabe dizer, em que medida o governo dos dois países subsidia a estadia do imigrante no Brasil, principalmente pós Segunda Guerra Mundial?
    Muito Obrigada pelas contribuições!
    Att.
    Vivian Iwamoto

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    1. Olá, Vivian. Obrigado pela sua atenção. Fico feliz que tenha gostado do trabalho. Esta afirmação está no livro de Célia Sakurai, chamado "Os Japoneses", na página 245. A respeito dos subsídios, os governos brasileiro e japonês assinaram um acordo comercial em 1895 e o colocaram em prática no início do século XX com uma atividade carregada de muito potencial: a cafeeira. Os fazendeiros de café brasileiros subsidiavam as viagens dos imigrantes, com exigência do pagamento posterior por parte destes, mas isso só durou até 1924, quando os japoneses foram proibidos de entrarem nos EUA. A partir daí, o governo japonês passou a subsidiar todas as viagens e investindo pesado em propaganda para estimular ainda mais a migração. Após a Segunda Guerra, a quantidade de imigrantes que entrou no Brasil era muito menor, e eram jovens mais qualificados em busca de oportunidades de emprego, estimulados pela propaganda japonesa e com a intenção de se fixar. Havia também os que iam trabalhar no campo. Vinham com o objetivo de colonizar terras não exploradas no Centro Oeste e Amazônia.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  9. Olá professor, achei muito interessante seu texto. Tenho uma pergunta:
    O senhor tem conhecimento do que ocorreu com os colonos japoneses pertencentes ao Grande Império do Japão no pós-guerra ?

    Tiago Tormes Souza

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    1. Olá, Tiago. Obrigado pela atenção, fico feliz que tenha gostado do trabalho. Após a Segunda Guerra Mundial, os japoneses ficaram frustrados com a derrota do Império, prejudicando o interesse de muitos em retornarem para sua terra natal. Organizaram-se grupos de japoneses que não aceitaram as notícias da derrota, como a Shindo Renmei, que foram responsáveis por muitas perseguições e assassinatos dentro da comunidade nipônica contra aqueles que reconheciam a perda da guerra por parte do Japão. A maior parte dos imigrantes decidiu que ficaria no Brasil, para isso se esforçaram em trabalhar e estudar mais neste seu novo lar.
      Ronaldo Sobreira de Lima Júnior

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  10. Parabéns pelo excelente texto. Tu poderias comentar um pouco sobre a relação que os japoneses migrantes tinham com os moradores dos lugares para onde imigravam, digo se tinha um preconceito por ambas as partes, se tinham relações de solidariedades.
    Raphaela Martins Pereira

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